Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2020 | Page 10
Apesar de ser uma estratégia
complexa de implementar na prática
clínica, foi sugerido e realizado um
período de descondicionamento físico
durante quatro meses para avaliar
eventual redução da espessura
parietal ventricular. Optou-se, ainda,
por excluir causas secundárias de
hipertensão arterial, entre as quais,
hipertiroidismo, doença renovascular,
feocromocitoma, hiperaldosteronismo
primário e síndroma de apneia obstrutiva
do sono, sendo esta avaliação
negativa. Contudo, pela persistência
de valores tensionais ligeiramente
elevados, tanto nas múltiplas avaliações
no consultório como em Monitorização
Ambulatória da Pressão
Arterial de 24 horas posteriormente
realizada, iniciou-se terapêutica com
ramipril 2.5mg/dia. Realizou-se ainda
uma otimização nutricional, nomeadamente
redução do consumo de sal.
Após o período de descondicionamento,
o atleta repetiu o ECG e
a RM cardíaca. No ECG (Figura 3)
verificou-se melhoria/normalização
das alterações da repolarização
ventricular, enquanto na RM cardíaca
(Figura 4) também se verificou a
regressão da espessura parietal da
parede ventricular esquerda (16mm
para 13-14mm) e do índice de massa
VE (142 g/m 2 para 100g/m 2 ). A pressão
arterial já se encontrava controlada,
sendo possível suspender a
terapêutica farmacológica.
O atleta retomou a prática desportiva
de nível competitivo, mantendo
avaliações regulares (anualmente),
não tendo ocorrido nenhuma
intercorrência clínica relevante no
Figura 2 – RM cardíaca (HVE com espessura parietal de 16mm e pequeno foco de
fibrose/realce tardio na inserção VE/ventrículo direito – seta).
Figura 4 – RM cardíaca antes e após o período de descondicionamento de 4 meses
revelando redução da espessura parietal no septo interventricular.
Figura 3 – ECG antes e após o período de descondicionamento de 4 meses revelando
melhoria/normalização das alterações da repolarização ventricular (ondas T negativas).
período de seguimento atual de
cerca de 24 meses.
Discussão
Este caso clínico levanta a discussão
de uma temática frequente e controversa
da medicina e cardiologia
desportiva: distinção entre HVE
fisiológica e MCH em casos localizados
na zona cinzenta. O overlap entre
estas duas condições implica uma
avaliação clínica e complementar
aprofundada e diferenciada. Especificamente
no caso descrito, a ausência
de história familiar de doença cardiovascular,
nomeadamente de MCH, o
status assintomático, a HVE concêntrica
com espessura parietal na zona
cinzenta, a função diastólica normal, a
ausência de outros sinais inequívocos
de miocardiopatia na RM cardíaca, a
presença de uma causa adicional de
HVE (hipertensão arterial), bem como
a regressão das alterações patológicas
no ECG e da espessura parietal
após um período de descondicionamento
são características a favor de
adaptação fisiológica induzida pelo
exercício (Tabela 1). 2,3
Esta marcha diagnóstica implica
vários pressupostos: elevada suspeita
clínica, acessibilidade a
múltiplos exames complementares
de diagnóstico e experiência na
abordagem de atletas com suspeita
ou diagnóstico confirmado de
miocardiopatia. O diagnóstico de
MCH implica habitualmente HVE
assimétrica com espessura parietal
superior a 15mm, na ausência de
outras condições de aumento da
sobrecarga, entre as quais se inclui
a hipertensão arterial. 4 Apesar da
hipertensão ser rara em jovens, deve
ser pesquisada na presença de HVE
acima do esperado para a carga de
treino e modalidade desportiva praticada,
sobretudo quando é concêntrica
(típica da cardiopatia hipertensiva).
Neste contexto, em atletas
jovens é fundamental excluir causas
secundárias de hipertensão arterial,
como foi efetuado neste caso.
O ECG, obrigatório na avaliação
pré-competitiva do atleta, é um
exame fundamental na deteção
precoce de MCH porque na cascata
de evolução desta doença as alterações
elétricas são mais precoces
que o desenvolvimento do fenótipo
8 março 2020 www.revdesportiva.pt