Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2019 | Page 9

Resumo e Comentário Dr. Fernando Ribeiro 1 , Prof. Doutor Vitor H. Teixeira 2 Nutricionistas; 1 Leixões Sport Clube Futebol - SAD; 2 FCNAUP e CIAFEL. Porto Resumo Os autores desta revisão sistemática e meta-análise procuraram determi- nar o impacto do leite achocolatado em diversos marcadores de recu- peração pós-treino, comparativa- mente à ingestão de água ou bebidas desportivas. Após um processo de seleção bibliográfica, os autores reu- niram doze estudos, sendo que dois deles foram considerados de ele- vada qualidade, nove de qualidade razoável e um de baixa qualidade. Os resultados desses trabalhos, levaram os autores a concluir que a inges- tão de leite achocolatado não teve efeito no tempo total até à exaus- tão, na taxa de perceção de esforço, na frequência cardíaca, nos níveis plasmáticos de lactato e de creatina- quinase, comparativamente àquelas bebidas. No entanto, após análises de subgrupos, foram detetados efeitos positivos do seu consumo nos níveis de lactato, na taxa de perceção de esforço e no tempo total até à exaustão. Com base nesses resulta- dos, os investigadores concluíram que a ingestão de leite achocolatado, depois dos treinos, potencia o tempo total até à exaustão, em comparação com a ingestão de uma bebida con- tendo um placebo ou glícidos, pro- teína e lípidos e, diminui os níveis de lactato, comparativamente a um pla- cebo. Referiram ainda que a ingestão de leite achocolatado proporciona resultados similares ou superiores comparativamente a um placebo ou outras bebidas de recuperação. 1 Comentário Trata-se da primeira revisão siste- mática e meta-análise que aborda este tema, que tem vindo a ganhar destaque ao longo dos últimos anos. 1 Curiosamente, vários trabalhos sugerem que o leite magro pode ser uma bebida de reidratação eficiente no pós-treino 2,3 ,com um índice de reidratação similar ou ligeira- mente melhor que o das bebidas desportivas 4 , o que poderá ajudar a reforçar a noção de que a ingestão de leite, no final dos treinos, poderá beneficiar o atleta neste domínio. Esta mais-valia deverá assentar na presença de proteína, hidratos de carbono e sódio na sua composi- ção, ingredientes favorecedores de uma reidratação eficiente. 5 Aliás, será a presença de proteína no leite achocolatado que poderá justificar a sua vantagem em relação às bebidas às quais é comparado. A presença de proteína láctea, ainda que em quantidades pequenas, passíveis de serem aumentadas, apresenta um efeito semelhante à proteína do soro na síntese proteica muscular. 6 A pre- sença de frutose derivada da adição de sacarose ao leite achocolatado pode ser tão eficiente como a glicose para a reposição de glicogénio mus- cular, melhor para a absorção do hepático e com menor probabilidade de ocorrência de perturbações gas- trointestinais. 7 De referir ainda que têm vindo a ser publicados trabalhos que sugerem que os alimentos inte- grais, pouco processados, proporcio- nam vantagens comparativamente aos suplementos 8 ou versões refina- das de alimentos 9,10 , na medida em que são mais completos do ponto de vista nutricional e são constituídos por uma matriz alimentar complexa, cujas interações e efeitos sinergísti- cos podem ser difíceis de reproduzir através da ingestão de um ou mais nutrientes específicos. 8,11,12 Relativamente aos métodos usados pelos autores do artigo que aqui abordamos, assumindo que será de esperar um certo nível de heteroge- neidade entre os estudos incluídos numa meta-análise, a prática de remover artigos, com vista a diminuir o nível de heterogeneidade, é questio- nável, pois poderá diminuir a robustez e colocar em causa a validade de uma meta-análise. 13 De facto, a seleção de subgrupos e consequente remoção de estudos, com o objetivo de detetar diferenças estatisticamente significa- tivas, é uma prática controversa no meio académico e poderá não ser a mais adequada em termos de meto- dologia científica, mais ainda tendo em conta que os critérios de inclusão de estudos na meta-análise já haviam sido estabelecidos de antemão. 14,15 Desta forma, as afirmações dos auto- res, na parte da conclusão final do artigo, relativas à suposta superiori- dade do leite achocolatado comparati- vamente às bebidas placebo, poderão ser consideradas excessivas, sobre- tudo se tivermos em conta os resulta- dos inicialmente obtidos, quando não foram removidos estudos. 1 De notar ainda que, ao contrário do que acontece nos EUA, Canadá e em alguns países europeus como a Finlândia, Suécia e a Noruega, a suplementação do leite com vita- mina D não é prática corrente em Portugal 16 e, desta forma, devido a ter uma composição nutricional ligei- ramente diferente, isenta da adição desse nutriente, os efeitos da inges- tão de leite achocolatado, de origem nacional, poderão ser de grau distinto comparativamente ao leite fortifi- cado com esta vitamina, que poderá influenciar o rendimento desportivo. 17 Apesar de poder constituir uma opção viável para o pós-treino, deve averiguar-se possível existência de intolerância à lactose 2 , a qual afeta uma percentagem significativa da população portuguesa. 18 Nesse sentido, será importante estabelecer planos individualizados de reidratação para cada atleta, que tenha em conta as suas caracte- rísticas individuais e preferências alimentares, de forma a potenciar a recuperação dos treinos e a sua performance. 19 Bibliografia 1. Amiri M, Ghiasvand R, Kaviani M, Forbes SC, Salehi-Abargouei A. Chocolate milk for recovery from exercise: a systematic review and meta-analysis of controlled clinical trials. European journal of clinical nutrition.2018. https://doi.org/10.1038/s41430-018-0187-x 2. Shirreffs SM, Watson P, Maughan RJ. Milk as an effective post-exercise rehydration drink. The British journal of nutrition. 2007; 98(1):173-180. 3. Ghigiarelli J, Sell K, Blum M, Dagastino N, Alfano P. The effects of low-fat skim chocolate milk on urinary hydration indices in a sample of Division 1-AA cross country runners during off-season training sessions. Journal of the International Society of Sports Nutrition. 2009; 6(Suppl 1):P10-P10. 4. Maughan RJ, Watson P, Cordery PA, et al. A randomized trial to assess the potential of different beverages to affect hydration status: development of a beverage hydration index. The American journal of clinical nutrition. 2016; 103(3):717-723. 5. 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