Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2019 | Page 26
e falta de orientação e supervisão.
Quanto aos mecanismos de lesão,
metade ocorreram por movimentos
de ginástica (mais frequentemente
nas elevações com balanço e exer-
cícios em argolas) e a outra metade
por movimentos com elevação de
pesos (mais frequentemente nos
exercícios acima do nível da cabeça
e no snatch). 2 A incidência predo-
minante de lesões traumáticas dos
ombros (chamado entre praticantes
de CrossFit Shoulder) explica-se por
vários exercícios no CrossFit serem
feitos com os membros superiores
acima do nível da cabeça e com os
ombros muitas vezes em amplitudes
extremas, frequentemente em hiper-
flexão, abdução e rotação medial.
Estas posições limite do ombro estão
associadas a risco aumentado de
lesões inflamatórias (bursite suba-
cromial, tendinites da coifa dos rota-
dores), roturas musculares, lesões
capsulolabrais e mesmo de luxação
gleno-umeral. Além disso, estes os
movimentos extremos ocorrem na
sequência de diversos exercícios
efetuados muitas vezes em elevada
intensidade e em elevado número
de repetições, associados ou não a
suporte de pesos e a algum grau de
fadiga muscular favorecedora do
erro técnico, o que aumenta ainda
mais o risco de lesão traumática dos
ombros no CrossFit. 5
Conclusão
O CrossFit é atualmente uma
modalidade desportiva popular e em
crescendo, que pelas suas caracterís-
ticas biomecânicas tem sido asso-
ciada a risco aumentado de lesões
traumáticas. 8 Contudo, apesar dos
estudos disponíveis serem escassos
e terem várias limitações metodoló-
gicas (natureza retrospetiva, viéses
de seleção e de informação, entre
outros), bem como não existirem
estudos comparativos e da com-
paração entre estudos diferentes
ser difícil, vários autores concluí-
ram que a incidência de lesões
traumáticas nesta modalidade é
semelhante a desportos tais como
halterofilismo, corrida e ginástica
e inferior a desportos de contacto,
tais como futebol, basquetebol,
hóquei e rugby. 1,2,4-6,8,10 Os segmentos
corporais mais lesados no CrossFit
são os ombros e a região lombar e a
24 março 2019 www.revdesportiva.pt
maioria das lesões é aguda e classi-
ficada como dores inflamatórias e
roturas ligamentares ou musculares
ligeiras. 1-6,8-10 É fundamental, face a
um desporto cada vez mais prati-
cado em todo o Mundo, o desen-
volvimento de estudos prospetivos
controlados de grande dimensão,
de modo a conhecer a incidência,
tipos e mecanismos das lesões mais
frequentes desta modalidade, bem
como identificar os fatores de risco
individuais, ambientais e relaciona-
dos especificamente com o CrossFit,
para o desenvolvimento de estraté-
gias de prevenção e assim diminuir
a incidência das lesões mais típi-
cas durante a prática desportiva.
A diversidade e complexidade dos
exercícios que caracterizam o Cross-
Fit, bem como a execução em inten-
sidades variáveis e por vezes em
níveis importantes de fadiga mus-
cular, realçam a importância crucial
do papel do treinador na prevenção
de lesões traumáticas associadas a
este desporto. Atualmente a maioria
dos atletas são acompanhados por
treinador (um a dois treinadores
por treino), sendo fundamentais na
supervisão, ensino do gesto técnico
correto e na definição de programas
de treino personalizados adequados
às características de cada atleta.
Os autores declaram a não existência de
conflitos de interesse.
Correspondência para Diogo Moura
Ortopedia e Traumatologia do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra
[email protected]
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Musculoskeletal injuries in
Portuguese CrossFit practitioners
É um estudo de publicação muito
recente (fevereiro 2019, Epub ahead
of print) publicado no J Sports Med
Phys Fitness pelos autores B. Min-
ghelli e P. Vicente, do Instituto Piaget
de Silves. Embora seja um estudo
realizado a partir de um questioná-
rio, do qual não se poderá concluir
com certeza da existência de um
diagnóstico clínico corretamente
realizado, permite, contudo, perce-
ber de algum modo alguma epide-
miologia das lesões e alguns fatores
com elas relacionadas. A amostra
incluiu 270 praticantes de crossfit
(156 – 56.3% do sexo feminino), de
idades compreendidas entre 15 e
53 anos. Durante o ano transacto
houve 80 lesões em 61 (22.6%) prati-
cantes, tendo os autores calculado
a incidência de 1.34 lesões por 1000
horas de prática. No ombro ocorre-
ram 35.9% das lesões, ao passo que
na coluna lombar houve 17.9%. Em
relação às estruturas atingidas, as
articulações e os músculos contri-
buíram com 30.8 e 23.1%. Curio-
samente, os autores constataram
que os praticantes que não parti-
cipavam em competições tinham
maior probabilidade de lesão (2.64
vezes superior), assim como os que
treinavam 2 vezes ou menos por
semana a probabilidade era 3.24
superior em relação aos que treina-
vam 3 ou mais vezes por semana.
Estes resultados sugerem que são
os praticantes que mais treinam
e que se envolvem em competi-
ção treinarão melhor, com melhor
orientação técnica e com mais foco
no treino que realizam.