Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2019 | Page 14
Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(2):12-15. https://doi.org/10.23911/Rabdomiolise_crossfit
Return to Play após
Rabdomiólise Induzida pelo
Exercício
Drª Eva Alves 1,5 Fis. Bruno Martins 2,6 Prof. Doutor Rodrigo Ruivo 2,3,6 Prof. Doutor Jorge Ruivo 4,5
1
Médica Interna de Formação Específica de Medicina Física e de Reabilitação, Centro Hospitalar Lisboa
Norte; 2 Fisiologista do Exercício; 3 Departamento de Exercício Clínica das Conchas; Professor Adjunto,
Escola Superior de Desporto Rio Maior e Instituto Politécnico de Beja; 4 Assistente Hospitalar de Medicina
Interna; Docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e na Faculdade de Desporto da
Universidade Lusófona. 5 Departamento Medicina Desportiva Clínica das Conchas; 6 Departamento de
Exercício Clínica das Conchas. Lisboa.
RESUMO / ABSTRACT
A rabdomiólise induzida pelo exercício (RIE) é uma síndrome clínico-laboratorial pouco
frequente causada pela mionecrose associada a exercícios físico muito intensos, repetiti-
vos ou prolongados, e que se manifesta mais frequentemente por mialgias intensas e alte-
ração da coloração da urina. O diagnóstico implica avaliação laboratorial com creatina-fos-
foquinase, o indicador mais sensível. As complicações possíveis incluem lesão renal aguda
(LRA), arritmias cardíacas e morte, pelo que é importante o seu diagnóstico atempado. O
tratamento baseia-se na hidratação vigorosa e repouso, mas podem ser necessárias diálise
ou cirurgia. O retorno ao exercício físico depende do risco de recorrência e deve ser gradual
e faseado, na ausência de critérios de alto risco. Os autores apresentam um caso de RIE
determinando internamento para prevenção de LRA num participante regular de crossfit e
sua reabilitação por fases permitindo um retorno seguro à modalidade desportiva. Por fim,
é apresentada oportunamente revisão sumária da prevenção e reabilitação desta patologia.
Exercise-induced rhabdomyolysis (exRML) is a rare clinical-laboratorial syndrome caused by
myonecrosis associated with very intense, repetitive or prolonged physical exercise which manifests
most often by intense myalgias and changes in urine color. The diagnosis involves blood tests with
creatine phosphokinase, the most sensitive indicator. Possible complications include acute kidney
injury (AKI), cardiac arrhythmias, and death, so early diagnosis is crucial. The treatment is based
on hydration and activity restriction, but dialysis and surgery can also be necessary. Return to
play depends on the recurrence risk and should be gradual and staged if none high risk criteria is
identified. The authors present a case of ExRML determining the hospitalization of a regular crossfit
participant for AKI prevention and its rehabilitation by stages, allowing a safe return to the modal-
ity. Finally, a summary review of the prevention and rehabilitation of this pathology is presented.
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Rabdomiólise exercional, reabilitação, return-to-play
Exertional rhabdomyolysis, rehabilitation, return-to-play
Introdução
A rabdomiólise é uma síndrome
clínico-laboratorial originada pela
libertação de proteínas (mioglobina
e creatinina kinase) e outras subs-
tâncias/iões intracelulares para a
circulação sistémica consequente à
lise das células musculares esque-
léticas. 1-3 A sua etiologia é, maio-
ritariamente, multifatorial, sendo
o exercício físico excessivo e/ou
intenso uma das causas. 4,5 A rabdo-
miólise induzida pelo exercício (RIE)
é uma entidade relativamente pouco
frequente (29,9 por 100 000 pacien-
tes/ano em militares) que, na ausên-
cia de uma abordagem atempada e
adequada, pode ter consequências
graves, nomeadamente lesão renal
12 março 2019 www.revdesportiva.pt
aguda (LRA), cuja taxa de incidência
tem vindo a aumentar (10-30%), dis-
função hepática, síndrome compar-
timental, coagulação intravascular
disseminada, insuficiência cardíaca,
arritmias, desequilíbrios eletrolíti-
cos e, no extremo, morte súbita. 4,6
A RIE pode ser provocada tanto por
exercícios muito intensos e prolon-
gados no tempo, como por exercícios
de contração excêntrica rápida das
fibras musculares. 4 O aumento de
cálcio (Ca 2+ ) intracelular, secundário
à disrupção traumática da mem-
brana celular e disfunção das pro-
teínas reguladores do fluxo de iões,
como a Na + -K + ATPase e Ca 2+ ATPases
por depleção de ATP, é considerado
o fator desencadeante na patogé-
nese da RIE , . 7 Consequentemente,
são ativadas proteases e produzidas
espécies reativas de oxigénio que
condicionam a mionecrose.
Os fatores de risco identificados
podem ser divididos em primários
e secundários. Os primários, que
englobam as condições próprias do
atleta e do exercício per se, são o
género (maior incidência no género
masculino) 6,7 , a experiência do
atleta na execução do exercício, o
nível de condição física, a mudança
brusca na intensidade e duração do
regime de treino, assim como dos
tipos de exercício, sabendo-se que a
contração excêntrica é mais propí-
cia a RIE. 4 Os fatores secundários
englobam as condições ambientais
e situacionais, como temperatura
e humidade elevadas, hipertermia,
desequilíbrio hidroeletrolíticos
subjacentes (hipocaliémia, hipona-
trémia e hipofosfatémia), distúr-
bios nutricionais (défice proteico e
excesso de ingestão de hidratos de
carbono imediatamente antes da
atividade física), suplementação
com creatina, ingestão de álcool,
medicação (estatinas, sinefrina,
efedrina, ciclosporina, anfotericina
B, antimaláricos), drogas (heroína,
cocaína, anfetamina) e doenças
concomitantes (infeção por vírus
influenza, miopatias inflamatórias,
enzimopatias do metabolismo dos
lípidos e hidratos de carbono). 1,4
Clinicamente, os sinais e sintomas
mais comuns incluem a alteração
da cor da urina (mioglobinúria) e
as mialgias intensas à mobilização
passiva ou ativa nas 24-72h após
exercício extremo, prolongado,
repetitivo ou não familiarizado,
que podem ser acompanhados de
edema, espasmos, contraturas ou
rigidez musculares, hipersensibili-
dade, fraqueza, náuseas, vómitos,
cefaleia, palpitações e fadiga. 5,8
O diagnóstico é clínico-laboratorial,
sendo a concentração de creatina-
-fosfoquinase (CK) sérica o indicador
mais sensível, embora inespecífico,
quando se encontra elevada cerca
de 5x o valor normal, que varia entre
22-198 U/L. 4,7 O valor da CK na RIE
depende da gravidade e pode estar
aumentado entre 10.000-200.000
U/L. 1,4 A avaliação analítica sanguí-
nea pode ainda evidenciar elevação
inespecífica das transaminases e
LDH, hipercaliémia, hiperuricémia,
hipocalcémica e hiperfosfatémia,