Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2016 | Page 4
Rev. Medicina Desportiva informa, 2016, 7 (2), pp. 2
Entrevista
Dr. Jaime Milheiro
Diretor Clínico da
Clínica Médica de
Exercício do Porto
É especialista em Medicina
Desportiva e em Medicina
Física e de Reabilitação (MFR).
Qual a que o mais encanta?
De facto encantam-me ambas,
uma vez que são totalmente
complementares. A minha
entrada no internato complementar de MFR foi sempre com
o objetivo de progressivamente
diferenciar-me. Diariamente,
na minha consulta de medicina
desportiva, utilizo conceitos
adquiridos na especialização
em MFR.
Muitos atletas de topo recorrem
aos seus serviços para
monitorização e controlo do treino.
O que tem feito?
Basicamente tenho-me dedicado
à tentativa da deteção precoce do
denominado NFOR – Non-Functional
OverReaching, processo onde a
decadência física e mental do atleta
é emergente. Muitas vezes, a linha
que separa a fadiga construtiva do
overtrainning é bastante ténue. A
avaliação baseada na interpretação
das sensações do atleta corre o risco
de falhar severamente. Realizo frequentemente avaliações cardiopulmonares acompanhadas de monitorizações bioquímicas, com grande
incidência nos micronutrientes e
nos perfis hormonais para o controlo
de treino. Nos dias de hoje é fundamental este acompanhamento físico
e bioquímico, indicando o caminho
que o treino nos está a conduzir. É
essencial.
Criou recentemente uma sala de
hipóxia tendo-se tornado parceiro
oficial do Comité Olímpico de
Portugal. Fale-nos um pouco sobre
isso.
Sim, assinamos com o COP um
protocolo no âmbito do treino de
altitude, permitindo que todos
os atletas incluídos no programa
olímpico para o Rio 2016 possam
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utilizar as nossas salas de hipoxia.
O treino de altitude é, hoje em dia,
aceite como uma questão central no
incremento da performance desportiva dos atletas de alto rendimento,
sugerindo novas formas de pensar e agir no campo da orientação
e prescrição do exercício. Sendo
Portugal um país sem centros de
treino em altitude natural, torna-se
fundamental a utilização de salas
de hipóxia simulada a fim de obter
os objetivos da referida exposição e
do treino em altitude. A única sala
de hipóxia existente em Portugal
estava localizada em Lisboa, mais
precisamente no Centro de Alto Rendimento do Jamor, sendo manifestamente insuficiente para a procura
dos atletas de alto rendimento deste
país. Para poder potenciar todo este
projeto, foi igualmente assinado com
a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto um protocolo de
colaboração no âmbito de investigação do treino de altitude.
Um aspeto preocupante no
rendimento desportivo é a fadiga.
Como a controla? Quais são sinais
clínicos e analíticos úteis para o
diagnóstico e prevenção?
Na minha perspetiva, o controlo
da fadiga é uma das chaves do
sucesso. O trabalho total do esforço
de um atleta numa competição
está diretamente associado à sua
capacidade de resposta endócrina,
nomeadamente da glândula adrenal.
O equilíbrio entre o processo catabólico e o anabólico é fundamental.
Sabemos que em esforços prolongados é mandatória uma boa produção
de cortisol para que a resposta física
e mental do atleta seja permanente,
principalmente em competições de
vários dias. Contudo, o organismo
quando exposto a longas produções
de cortisol, muitas vezes compromete o processo anabólico, nomeadamente, uma das suas principais
hormonas, a insulina e o seu fator
de crescimento IGF1 (denominado
efeito anti-anabólico do hipercortisolismo), altamente limitador da
recuperação muscular - fadiga.
Como tal, procuro promover o
balanço dos vários eixos hormonais,
tentando evitar a decadência anabólica em prol de um catabolismo
acentuado, situação muito mais frequente do que a maioria dos clínicos
possa pensar.
Um aspeto que o entusiasma
muito é o anti-envelhecimento.
Já com uma forte formação sólida
nos Estados Unidos, como trabalha
esta área médica?
A medicina anti-envelhecimento é
uma das áreas mais atraentes para
o futuro da medicina com grande
enfoque na prevenção. A minha
entrada neste novo mundo deu-se
após perceber as similaridades entre
o “anti-aging” e o alto rendimento.
Em ambos os casos os processos
catabólicos e a inflamação estão a
“proliferar”, cabendo a nós clínicos
a tentativa de os abrandar ou parar.
Termos como depleção ou pausas
são de uso frequente em ambas as
situações, apresentando por isso
objetivos comuns, que são os de
manter a perfomance individual e
de prevenção. A medicina anti-envelhecimento é atualmente a área de
maior investimento norte-americana, representando bem a importância deste caminho. O facto de ter-me tornado médico certificado pelo
quadro da Academia Americana de
Medicina Anti-aging e Regenerativa,
permite-me estar constantemente
a par de toda a investigação médica
neste campo. Tenho um claro foco
em tentar acompanhar produtos
inovadores associados à área da
otimização.
Para onde deverá caminhar a
medicina desportiva?
Para uma crescente diferenciação
e separação dos moldes atuais,
entregues de grosso modo à traumatologia desportiva. A medicina
desportiva deverá centrar-se na
procura do equilíbrio orgânico do
atleta, uma vez que é cada vez mais
frequente encontrar distúrbios
desse foro, com repercussões na sua
saúde física e mental, bem como na
performance individual. A traumatologia é uma pequena parte de um
mundo muito maior, que engloba o
conhecimento perfeito de múltiplos
sistemas fisiológicos, endócrinos,
psicológicos e nutricionais entre
muitos outros. Cabe a nós, especialistas em medicina desportiva,
conseguir explicitar este caminho,
apostando na melhoria da oferta
dos internatos complementares,
bem como nos centros de referência. Urge passar esta mensagem.