Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2012 | Page 10

“C” sobre região afetada tal como Byrd8 descreveu. No presente caso verificava-se diminuição evidente da flexão (por sobrecobertura) e da rotação interna. O doente com retroversão geralmente tem a rotação interna extremamente diminuída20. A diminuição da mobilidade deve-se não só à deformidade, como à dor induzida pelo conflito. O teste de impingement9, como descrito anteriormente, pode ser medido a vários ângulos de flexão. Aqui foi obtido um teste de conflito positivo a 75°, sendo progressivamente mais severo com graus de flexão maiores. O teste de conflito posterior verificou-se negativo, indicando a ausência de coxa profunda ou protusio. O estudo radiográfico simples é o estudo imagiológico inicial. O Rx da bacia em carga, em face correta, assim como a incidência axial em cross table ou incidência de Dunn, são suficientes para o estabelecimento da presença de anomalias estruturais. Neste caso estamos na presença de um conflito femoro-acetabular misto. Está presente uma anteversão acetabular insuficiente – identificável no Rx pelo cruzamento das linhas que delimitam as paredes anterior e posterior do acetábulo (Fig. 2) – crossover sign de Reynolds5. Por outro lado, há alteração da junção colo cabeça, ocorrendo a deformidade tipo “pistol grip” mais evidente na vista de Dunn (Fig. 3). Considera-se que esta deformidade é causada por uma anomalia do crescimento da epífise da cabeça femoral4. Também poderá ocorrer como sequela de causas conhecidas, como sejam a epifisiólise16,18,21, a doeça de Perthes22,23 ou uma fratura do colo do fémur24,25. Não há, contudo, neste caso, história de alterações do foro ortopédico na infância. Deve ser ainda avaliado o estado degenerativo da articulação. Neste caso o doente apresenta um estádio 1 de Tonnis. Verifica-se ainda a ausência de coxa profunda (quando o fundo da fossa acetabular está medial à linha ilioisquiática), o que seria mais comum em doentes do sexo feminino3,6,26. Tal como descrito na literatura, as alterações morfológicas descritas anteriormente levam a lesões do labrum e da cartilagem articular (Fig. 4). A RMN é usada pré-operatoriamente para avaliar a lesão da 8 · Março 2012 www.revdesportiva.pt cartilagem e do labrum27. É ainda o exame mais específico na determinação do ângulo alpha (aumentado no CFA tipo CAM). Houve, claramente, uma evolução clínica favorável com o tratamento cirúrgico, com o retorno à sua atividade prévia sem limitações, o que é suportado pela literatura. Em atletas, Phillipon et al demonstraram um retorno à atividade prévia em 93% dos casos32, com um grau de satisfação de 9 em 1033, enquanto Bizzini et al34 demonstraram um retorno ao desporto em 100%. A melhoria clínica dá-se na maioria dos doentes com qualquer técnica cirúrgica19,29,23,34,36. No entanto, a melhoria não ocorre em todos os pacientes, já que 0-30% dos pacientes necessitam eventualmente de artroplastia total da anca7,22,37,38. As lesões Outerbridge grau III e IV ou grau de osteoartrite superior ao grau I de Tonnis estão associados a piores resultados. A refixação labral está associada a um melhor resultado final39,40. Atribuímos o bom resultado a curto prazo ao facto da intervenção se ter realizado precocemente e ao facto de ter havido preservação do labrum. A maioria dos autores refere estabilização da evolução para osteoartrose numa elevada percentagem de doentes41-44. Contudo, são estudos a curto prazo e com nível de evidência baixo, pelo que os resultados devem ser interpretados com cautela. Também neste caso, o tempo de evolução é curto pelo que não podemos aferir da evolução a longo prazo para osteoartrose. Pelo contrário, Vilar45 demonstrou que, não havendo correção da deformidade, a evolução para osteoartrose se situa nos 65%. Figuras 4 e 5 Conclusão: O tratamento não cirúrgico tipicamente inclui repouso, analgesia e fortalecimento muscular, estando o tratamento cirúrgico recomendado caso persistam os sintomas. O objetivo deste é a correção da deformidade e a reparação labral e da lesão cartilagínea, tendo sido propostas várias abordagens: artroscópica28,29,30 por mini-incisão auxiliada por artroscopia3,31 ou por luxação da anca. A taxa de complicações é baixa, mas foram descritas complicações, como a necrose avascular da cabeça femoral, a fratura do colo do fémur ou a lesão neurológica (nervo podendo e ciático). O conflito femoro-acetabular é hoje em dia reconhecido como uma causa importante de dor no jovem adulto em geral e na população atlética em particular. O diagnóstico é clínico, exige um índice de suspeição elevado e é suplementado por meios complementares de diagnóstico apropriados. Urge a identificação da patologia quanto antes, uma vez que a intervenção precoce parece alterar o prognóstico da patologia. Ver Bibliografia no site: www.revdesportiva.pt (A revista online)