Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2020 | Page 37

Desportiva, que têm sido um enorme facilitador da manutenção do acompanhamento das rotinas de trabalho destes atletas e das equipas, o que seria impensável há uns anos atrás. À data, recomendamos que todo o treino seja realizado no interior. No entanto, para todos os atletas que necessitem de realizar treino no exterior é fundamental que mantenham todas as medidas de proteção individual e higiene respiratória preconizadas pela Direção-Geral de Saúde, além de outras medidas implementadas localmente, por exemplo, do clube ou do centro de treino. Durante este período, é igualmente importante a monitorização do estado de saúde e de desempenho do atleta no sentido da deteção precoce de eventuais sintomas. Ainda no contexto do treino no exterior, todos devem evitar aglomerados de pessoas e considerar a própria resposta fisiológica ao exercício. O aumento da ventilação com o exercício, em resposta à maior necessidade de oxigénio a nível muscular, leva a aumento do volume de ar inspirado e expirado e ao aumento da dispersão de gotículas respiratórias, saliva ou aerossóis. A utilização de máscara durante o treino não está recomendada, não só pela diminuição da eficácia das mesmas para frequências e volumes ventilatórios aumentados, bem como pelo aumento da dispersão das partículas respiratórias (fenómeno de re-aerossolization). Além do mais, no domínio de intensidade severa, o aumento da resistência inspiratória e do tempo inspiratório leva a diminuição do volume corrente, aumento da pressão inspiratória e à retenção de dióxido de carbono. A distância de segurança de 1,5 a 2 metros atualmente preconizada poderá não ser suficiente para prevenir a transmissão do vírus em contexto de exercício. Apesar da evidência científica não ser de momento conclusiva, tem sido proposto manter-se uma distância de segurança de entre 4 a 5 metros para quem caminhe e de pelo menos 10 metros em corrida, dado o aumento da dispersão das partículas e o efeito de slipstream com o aumento da velocidade. Assim, os atletas que treinem sozinhos ou em grupos de dois devem manter e ajustar sempre a distância de segurança para outros utilizadores. À medida que se obtém mais conhecimento acerca da COVID-19 e as suas potenciais complicações e manifestações no desporto é fulcral que se reúnam consensos entre a comunidade médica e científica. A decisão para o return-to-play dos atletas deverá ter em conta a história natural desta nova doença, bem como as diferentes manifestações clínicas que esta tem apresentado, de forma a garantirmos a melhor decisão para os nossos atletas e para a saúde pública. Dr. Vítor Fonseca Médico, Especialidade de Pneumologia Coordenador da Unidade de Pneumologia, Hospital de Cascais O COVID-19 é uma infecção respiratória provocada pelo vírus SARS- -COV2, com grande variabilidade de formas de apresentação, desde a gravidade ligeira até à apresentação mais grave, na forma de pneumonia viral, com insuficiência respiratória parcial aguda e um quadro de Síndrome de Dificuldade Respiratória Aguda (ARDS). Os principais sintomas são a tosse irritativa persistente, febre, cefaleias, dificuldade respiratória e até sintomas gastrointestinais. Cerca de 80% dos casos apresentam-se na forma de doença ligeira, com apenas necessidade de internamento em 10% dos doentes com o diagnóstico de COVID-19. Destes doentes internados, 10% têm uma apresentação severa com insuficiência respiratória severa e necessidade de internamento em Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e ventilação mecânica invasiva. Entre os internados em UCI existem sobretudo dois grupos de doentes, o primeiro numa faixa etária alta, com muitas co- -morbilidades, onde existem maior número de óbitos, e o segundo grupo composto por doentes novos e sem patologia associada, por vezes obesos. Neste momento não existe terapêutica com eficácia comprovada para o SARS-COV 2, temos atualmente sobretudo terapêuticas de suporte. Os casos descritos em atletas de alto rendimento são quase inexistentes. Tratando-se de uma doença nova ainda não se sabem as consequências a longo prazo desta infecção. Por analogia à epidemia previa do SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) e MERS (Middle East Respiratory Syndrome) sabemos que podemos encontrar mesmo em doentes e atletas novos, alterações posteriores a nível de difusão alveolocapilar e sinais de fibrose pulmonar sequelares. Estas alterações em atletas de alto rendimento poderão ter impacto na sua performance desportiva, podendo ser necessário avaliações de rotina com provas funcionais respiratórias com difusão pulmonar do monóxido de carbono (DLCO) e TAC torácico de alta resolução. Prof. Dr. Hélder Dores Médico, Especialidade em Cardiologia Hospital da Luz Lisboa. Human Performance Department, Sport Lisboa e Benfica. Professor, NOVA Medical School. A associação entre doença cardiovascular (DCV) e COVID-19 é bidirecional: ter DCV aumenta a gravidade da infeção e ter COVID-19 aumenta o risco de complicações CV, entre as quais se destaca a miocardite aguda. A lesão miocárdica constitui um marcador de prognóstico (presente em 10-20% dos doentes, sobretudo nos admitidos em Unidade de Cuidados Intensivos e não sobreviventes), podendo ocorrer em indivíduos assintomáticos. Entre os mecanismos envolvidos destaca-se a reação inflamatória sistémica. Como a miocardite é uma causa de morte súbita em atletas, assume relevância adicional para a Medicina Desportiva. Neste contexto, é preciso definir estratégias de return to play (RTP), incluindo exames complementares de diagnóstico de acordo com a gravidade e evolução clínica. Contudo, apesar do impacto da pandemia a vários níveis e dos aspetos ainda por esclarecer, é importante encontrar um equilíbrio entre garantir RTP em segurança, sem limitar os atletas, sobretudo de nível recreativo, dos múltiplos benefícios do exercício. Revista de Medicina Desportiva informa maio 2020· 35