Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2020 | Page 35
Opinião
O regresso do futebol
(ou de outro desporto)
Dr. Basil Ribeiro
Medicina desportiva, Riade, KSA
Todos conhecemos a situação
atual e todos temos vivido o
passado. Falta aqui o futuro para
onde vamos em busca da retoma
da vida normal, pelo menos
semelhante à que tínhamos. Contudo,
ninguém tem respostas para as
dúvidas colocadas em relação ao
futuro e não são as projeções, as
especulações ou as expetativas que
darão consistência às estratégias e
decisões a tomar para o futuro a médio
prazo, pois o imediato está resolvido.
Todos querem voltar a ver o
Desporto rapidamente em ação e
o futebol lidera esta ambição, nos
clubes e nos jornais. Praticar futebol,
voltar aos treinos significa deixar o
isolamento social e voltar ao contacto
com os colegas e dirigentes dos
clubes. Não é apenas voltar a sentir
o cheiro da relva, o que é bom, pois
até sugere ausência de infeção pelo
coronavírus, mas significa voltar a
sentir espaço, frescura na cara e ter
rotinas. Estaremos preparados para
retornar aos treinos?
Parece ser consensual que apenas
estaremos bastante mais seguros
com o advento da vacina. Esta, por
definição, será eficaz e segura. Dizem
que demora mais de um ano e, assim
sendo, não é por aqui que os treinos
e jogos serão mais seguros no que à
transmissão do vírus diz respeito.
A Direção Geral de Saúde tem
emitido normas gerais de segurança
para a prevenção da transmissão do
vírus. A profissão de jogador de
futebol tem algumas especificidades
que importa considerar, pois causam
a concentração de pessoas em
espaços relativamente reduzidos
(balneário, chuveiros, posto médico,
ginásio, local de refeições). O distanciamento
social aqui não se aplica,
pois mesmo que se iniciem agora
treinos com 4 ou 5 jogadores, bem
afastados, em horários desfasados,
com utilização de 2 ou mais balneários,
tal não será solução, pois no
futuro todos os jogadores voltarão a
juntar-se no mesmo balneário,
autocarro ou mesa de refeição.
Deve ser implementado agora
aquilo que se adia para mais tarde.
1. O clube deve ser capaz de manter
a higienização de todas as instalações,
de modo regular e frequente,
de cuidar adequadamente da
roupa e dos alimentos, de limitar
bastante o número de pessoas
que fazem parte da equipa, de ter
material de proteção (máscaras
ou viseiras) para uso, por exemplo,
nas deslocações, de ter desinfetantes
dispersos pelas instalações,
de impedir o contacto próximo
com os adeptos, de ser rigoroso
na relação com a comunicação
social ou outros. Há necessidade
de assumir muitas restrições e de
limitar a ação de muita gente, o
que causará algum desconforto,
mas o rigor será compensado.
2. O departamento médico deve
realizar a análises aquando do
retorno aos treinos e sempre que
oportuno, estar atento ao aparecimento
de queixas sugestivas da
infeção, prever e ter um plano de
ação para as várias eventualidades
clínicas, ser criterioso na marcação
dos tratamentos médicos e
nos locais externos de realização
de exames, ser exigente na higiene
dos equipamentos, incluindo marquesas,
e, muito importante, ter
poder de decisão.
3. Um quesito muitíssimo importante:
a vida privada, a realizada fora
do clube, das pessoas que fazem
parte da equipa. Todos devem ficar
em casa e evitar frequentar locais
com muitas pessoas, assim como
não devem convidar toda a família
ou os amigos para irem lá a casa.
As idas a restaurantes cheios,
festas, casamentos ou batizados,
etc. devem ser evitadas e, quando
houver mesmo necessidade de
estarem presentes, as precauções
universais devem ser implementadas.
De nada vale o rigor colocado
pelo club nas suas instalações e
operacionalização da equipa, se
depois, fora do clube, criam-se condições
para o contágio pelo vírus.
Há necessidade de interiorização
mental para a mudança profunda
dos hábitos sociais, no sentido do
isolamento e da privação de alguns
prazeres que a vida voltará a dar lá
mais para a frente.
4. A realização dos jogos terá de ser
sem público. As bancadas ficarão
despidas e tristes, mas seguras.
Nelas não haverá transmissão
do vírus. Os adeptos poderiam
entrar no estádio com máscaras
na face, mas teriam eles lavado
recentemente as mãos ou as suas
roupas estariam sem vírus? No
decorrer do jogo, quem controla a
colocação das máscaras durante
cerca de duas horas, nos momentos
de monotonia ou do festejo do
golo? Houve-se dizer que Portugal
poderá ter 100 mil infetados, o
que representa 1% da população
portuguesa. A ser verdade esta
percentagem, no estádio com
50 mil adeptos estariam 500 pessoas
infetadas, ou seja, existiria
uma bomba biológica humana!
Certamente que tal não contribuiria
para o controlo da atual
pandemia ou para a prevenção de
uma próxima. O melhor, e para já,
é realizar os jogos à porta fechada.
O futebol será diferente, na prática
e na assistência ao evento, e as
restrições a implementar, por muito
rigorosas que sejam, nunca causarão
uma situação pior que a atual: estar
em casa e sem poder ver futebol ao
vivo ou na televisão. Não pode haver
outra paragem daqui a 3 a 4 meses.
O futebol sairia muito ferido, pois
poderiam acabar os patrocínios em
geral, mas em muito particular a
volumosa contribuição da televisão
para os orçamentos dos clubes.
Robert H Mann et al escreveram
recentemente no BJSM: “voltar ao
desporto será mais do que a retoma
dos treinos e de um calendário desportivo
renovado”.
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