Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2020 | Page 15

incapacidade para realizar apoio axial monopodálico e dor intensa e edema localizados à face ântero- -externa da crista ilíaca direita. A mobilização articular passiva e ativa da anca direita não se encontrava bloqueada, mas apresentava dor intensa na flexão/extensão e abdução/adução da anca e desconforto na rotação interna/externa. Não se verificavam défices sensitivo- -motores ou de perfusão vascular do membro. O estudo radiográfico da bacia (incidência ântero-posterior e “rã”) revelou uma fratura-avulsão do segmento anterior da apófise da crista ilíaca direita com um gap de 3,2mm (Figuras 2 e 3). A doente foi tratada conservadoramente, com foco no controlo álgico durante a fase aguda, incidindo-se na terapêutica sintomática, crioterapia, mobilidade articular e marcha com apoio de auxiliares externos mediante tolerância à dor. Após três semanas iniciou marcha de forma autónoma sem dor, retomando rapidamente as atividades de vida diária. Após oito semanas da lesão, a doente foi observada clínica e radiograficamente, constatando- -se uma excelente evolução clínica, sem assimetria na mobilidade articular das ancas ou da força muscular dos membros e com uma consolidação óssea alcançada sem sequelas aparentes. Em consulta de seguimento de ortopedia pediátrica, apresentava-se assintomática e radiologicamente comprovava-se a consolidação da fratura (Figuras 4 e 5). Após um programa de reabilitação com foco no fortalecimento muscular gradual, alongamento e proprioceção, reintegrou o treino competitivo normal sem limitações ao fim de 12 semanas, apresentando excelentes resultados clínicos e funcionais, com Hip Outcome Score (HOS) de 100% (68 pontos) para a subescala das atividades de vida diária e de 94,% (34 pontos) para a subescala de atividade desportiva. Discussão A fratura-avulsão da crista ilíaca é uma lesão rara e pouco descrita na literatura. Numa revisão de 203 atletas com fratura-avulsão pélvica, apenas se identificaram três lesões da crista ilíaca, cuja ocorrência surge preferencialmente associada à prática desportiva de ténis, ginástica e futebol. 9 O caso descrito torna-se assim uma situação desde logo peculiar e excecional, somando-se ao tipo e mecanismo de lesão, o género feminino da atleta e a modalidade. A apófise da crista ilíaca é local de inserção do músculo abdominal Figuras 2 e 3 – RX da bacia (AP e “rã”) – Fratura-avulsão isolada da apófise da crista ilíaca direita com gap de 3,2mm Figuras 4 e 5 – RX da bacia (AP e “rã”) às 12 semanas com fratura consolidada transverso, oblíquo interno e externo, podendo a fratura-avulsão surgir por forças de tensão exercida por estes músculos aquando de movimentos de flexão lateral ou torção, superiorizando-se à ação antagonista do músculo glúteo médio e tensor da fáscia lata. 6,10 A corrida surge associada a um número significativo de fraturas- -avulsão pélvicas (40% 11 ), estando a fadiga acumulada durante a atividade competitiva e/ou microtraumatismos de repetição pós sobrecarga desportiva prévia identificados como fatores promotores de lesão. No caso descrito, a sobrecarga desportiva e sintomas prévios em associação com o provável movimento de rotação súbita da bacia para o lado contralateral no momento da aceleração explosiva (início do sprint), potenciado em grande parte pelo músculo oblíquo externo, parecem explicar a etiologia da lesão descrita. No momento da avulsão apofisária, a maioria dos doentes apresenta uma sensação de “estalido” com dor intensa na hemipélvis afetada, que agrava à palpação localizada da face ântero-externa da crista ilíaca e que se encontra frequentemente edemaciada e/ou equimótica. A marcha pode ser possível, embora frequentemente de Trendelemburg por dor e espasmo muscular. 1 A avaliação por radiografia (incidência ântero- -posterior) é geralmente suficiente para o diagnóstico e caraterização da lesão, sendo de realçar a importância da suspeição clínica e comparação radiográfica com o lado contralateral. Nos casos em que se mantenha a suspeita diagnóstica ou para exclusão de lesões associadas, é descrita a utilização da TAC ou da RMN otimizando a acuidade diagnóstica e a decisão terapêutica. Nas fraturas-avulsão da bacia o desvio é normalmente mínimo devido às múltiplas inserções musculares, quer do tronco, quer dos membros inferiores. Por esta razão, o tratamento conservador é considerado o gold-standard para a recuperação plena e sem sequelas, reservando-se o tratamento cirúrgico para situações de desvio superior a 3cm, lesão neurovascular associada ou casos de pseudartrose/exostose dolorosa. 1,7 No que diz respeito ao Revista de Medicina Desportiva informa maio 2020· 13