Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2019 | Page 24

Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(3):22-24. https://doi.org/10.23911/Miocardiop_2019_5 Miocardiopatia Não-Compactada do Ventrículo Esquerdo e sua Relação com Morte Súbita em Atletas Filipe Afonso Maçães 1 , Prof. Doutor João de Almeida Freitas 2 1 Estudante de Medicina; 2 Clínica Saúde Atlântica. 1,2 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto RESUMO / ABSTRACT A miocardiopatia não-compactada do ventrículo esquerdo é caracterizada por um miocár- dio hipertrabeculado. Com o objetivo da correta abordagem e tratamento da doença tem sido sugerida a diferenciação entre o miocárdio hipertrabeculado devido ao processo pato- lógico in-útero e o miocárdio hipertrabeculado adquirido nos atletas associado a sobre- carga cardíaca. Um dos principais fatores de prognostico é a presença de sintomas à data do diagnóstico diagnóstico. Pelos estudos publicados, esta miocardiopatia não parece estar associada a morte súbita em atletas se assintomáticos. É de referenciar a necessidade de estudos de larga escala que relacionem MNCVE com a morte súbita em atletas. The left ventricular non-compactation is characterized by a hipertrabeculated myocardium. With the goal of a correct approach and treatment of this myocardiopathy it has been proposed a differentia- tion between a hypertrabeculated heart due to a in-uterus pathologic process and an acquired one in adult age, normally associated with cardiac overload. One of the main prognostic factors in LVNC is the presence of symptoms at diagnosis. According to the articles studied, this myocardiopathy is most likely not associated to sudden cardiac death in asymptomatic athletes. It is necessary to have larger scale studies that relate LVNC with sudden cardiac death in athletes. PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS Miocardiopatia não-compactada do ventrículo esquerdo, hipertrabeculação, morte súbita Left ventricular non-compactation, hypertrabeculation, sudden cardiac death Introdução A miocardiopatia não-compactada do ventrículo esquerdo (MNCVE) é uma entidade complexa e heterogé- nea, caracterizada por um miocár- dio com trabeculações excessivas e recessos intratrabeculares. A morte súbita em atletas é uma realidade que chama a atenção dos clínicos. Há muitas causas que podem estar implicadas, quer de origem não-cardíaca, quer de origem cardíaca, entre as quais a MNCVE. Patogénese Nos atletas com trabeculações, e assintomáticos, há dificuldade em distinguir entre aqueles que têm trabeculações como adaptação fisiológica à sobrecarga cardíaca daqueles que têm a patologia da MNCVE. Isto pode ajudar a explicar 22 maio 2019 www.revdesportiva.pt a alta prevalência de atletas que cumprem os critérios de MNCVE, valor que pode chegar até 8%. 1 No entanto, apenas 0,9% destes atletas têm outros critérios clínicos que suportam uma causa patológica, como a MNCVE. 2 Esta distinção é fundamental devido às possíveis consequências deste diagnóstico na carreira dos atletas. Caselli et al proposeram uma abordagem ao atleta com trabecu- lações que incluía a revisão deta- lhada da história pessoal e familiar de doenças genéticas, doenças neuromusculares, miocardiopatia hipertrófica (MH) e miocardiopatia dilatada (MD), a avaliação do eletro- cardiograma (ECG) em repouso e, se levantasse suspeitas de anomalias patológicas, a realização de um teste de esforço, Holter 24h e a avaliação da função sistólica e diastólica com um cutoff de <50% de fração de ejeção do ventrículo esquerdo. De acordo com estes autores, a alte- ração de algum destes parâmetros pode levantar a suspeita de trabecu- lação com substrato patológico. 3 Foi também já proposta, como estratégia de diferenciação, o detraining, que se baseia na avaliação da diminuição das trabeculações com a diminuição do exercício, sugerindo uma adaptação fisiológica do coração. 4 Gati et al compararam atletas com hipertrabeculação a pacien- tes com diagnóstico definitivo de MNCVE e chegaram à conclusão que existe diferença eletrocardiográfica entre eles, sendo que os atletas com hipertrabeculação têm inversão da onda T no segmento anterior (V1 a V3), enquanto que os pacientes com MNCVE apresentam a inversão no segmento inferior e lateral. 1 Clínica A clínica da MNCVE é muito variá- vel, podendo apresentar-se desde indivíduos totalmente assinto- máticos até aqueles com a tríade clássica de IC, arritmias e eventos tromboembólicos. Os sintomas de apresentação estão frequentemente relacionados com a disfunção sistó- lica e/ou diastólica. Diagnóstico O diagnóstico definitivo de MNCVE requer integração dos parâmetros clí- nicos, morfológicos e patofisiológicos. 5 As características clássicas da MNCVE baseiam-se quase exclusivamente na ecocardiografia transtorácica (ETT), apesar de a ressonância magnética nuclear e a tomografia axial computa- dorizada também poderem ser utiliza- das. Os critérios de diagnóstico mais usados na ETT são os de Jenni et al 6 , Chin et al 7 e Stollberger et al 8 e estão descritos na Tabela I. Outro meio de diagnóstico útil de rastreio é o ECG, que não faz o diagnóstico por si só, mas pode ser útil na suspeita do mesmo. Já em atletas, as alterações mais frequen- tes foram a hipertrofia ventricular esquerda, taquicardia ventricular não-sustentada, extrassístoles ventriculares e mais raramente a fibrilação ventricular. 9