Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2013 | Page 16

Tema 3

Rev . Medicina Desportiva informa , 2013 , 4 ( 3 ), pp . 14 – 16

Será que poderemos prevenir / retardar a gonartrose após lesão do ligamento cruzado anterior ( LCA )

Prof . Dr . João Páscoa Pinheiro 1 , 2 , Dra . Sara Bastos 1 Medicina Física e Reabilitação 1 , 2 , Medicina Desportiva 2 Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra . Serviço de Medicina Física e Reabilitação – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
RESUMO / ABSTRACT
A rotura do ligamento cruzado anterior ( LCA ) aumenta significativamente o risco de artrose secundária . A reconstrução do LCA permite devolver estabilidade articular e prevenir a lesão meniscal secundária , no entanto não altera de forma significativa o risco de evolução para artrose . Restabelecer as amplitudes articulares completas , proporcionar um tratamento cirúrgico precoce , potenciar a força e a atividade propriocetiva e promover atividade física de baixa intensidade e baixo impacto são algumas das medidas que poderão ajudar a baixar o risco artrósico . O doseamento de biomarcadores no sangue e no líquido sinovial permite identificar precocemente o risco degenerativo e introduzir o aconselhamento .
The rupture of the anterior cruciate ligament ( ACL ) increases considerably the risk of osteoarthritis . ACL reconstruction may restore joint stability and prevent secondary meniscal injury but , however , it doesn ’ t seem to diminish the risk of secondary osteoarthritis . Some of the measures which may possibly reduce the arthrogenic risk are the restitution of a normal range of motion , the opportunity of an early surgical treatment , the promotion of strength and proprioceptive training and the encouragement of lower intensity and impact activities . The measurement of biomarkers in blood and synovial fluid allows an early identification of degenerative risk and the introduction of advice .
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS artrose , ligamento cruzado anterior . Osteoarthritis , anterior cruciate ligament .
Introdução
A rotura do LCA condiciona uma instabilidade estática ( anterior , valgus , rotatória ) e dinâmica ( deficiência propriocetiva e controlo motor ) 1 , 2 . Verificam-se limitações diversas na atividade física , perda de capacidade competitiva 3 , 4 e aumento da incidência de lesão meniscal e condral 5 . O risco de artrose secundária , particularmente fémuro-tibial é elevado , estando descrita entre 24 a 86 % 6 , 7 .
A incidência lesional é de 0,38 / 100.000 habitantes 8 , 80 % dos LCA reconstruidos têm atividades de vida diária ( AVDs ) normais 9 e 67 – 76 % podem retomar o nível de atividade pré-lesional 10 . A motivação individual e as caraterísticas do aconselhamento médico pós- -artroplastia influenciam significativamente o nível de atividade 11 . A rotura do LCA é um acontecimento dramático para o joelho , sendo descrito como “ o princípio do fim do joelho ”, ou “ doentes jovens com joelhos velhos ” 12 , 13 . A reconstrução do LCA não torna o joelho normal e a escolha da plastia tem reduzida influência no risco artrósico 10 anos após a cirurgia 14 , 15 . Assim , o principal objetivo da reconstrução ligamentar é potenciar a estabilidade funcional , considerando inevitável o risco artrósico 16 .
Consequências neuromusculares da rotura do LCA
As principais consequências são a redução da atividade muscular , particularmente no quadricípite femoral e nos isquiotibiais , e a instabilidade dinâmica por deterioração propriocetiva . Estas consequências são potencialmente responsáveis pelo risco artrósico inerente à lesão do LCA .
A perda de força isocinética do quadricípite femoral é maior a 120 º, associada a uma redução do score de Noyes relativamente ao membro não lesado 17 . O deficite muscular ( ativação e volume ) decorre do fenómeno de inibição muscular artrogénica ( IMA ), um mecanismo protetivo , reflexo , que reduz na fase aguda a atividade e excitabilidade dos músculos periarticulares 18 , 19 .
Após reconstrução ligamentar do LCA , 2 a 15 anos pós cirurgia , 30 % dos indivíduos mantêm deficite de força muscular nos membros inferiores , sendo o lado operado o mais afetado 20 . Esta condição não decorre da IMA , mas provavelmente de alterações morfológicas do músculo e do aumento do momento dos isquiotibiais ( com a extensão do joelho ).
Após rotura do LCA constatam- -se anomalias definitivas nas vias somato-sensoriais centrais e nos potenciais evocados e as alterações propriocetivas persistem após reconstrução ligamentar 21 . A lesão ligamentar induz plasticidade cerebral , com reorganização neuronal mais efetiva nas áreas motora pré-suplementar , na somato-sensorial secundária posterior e no gyrus temporal inferior e posterior 22 . A intervenção terapêutica ( reconstrução ligamentar e reabilitação ) vai influenciar as modificações plásticas centrais .
Rotura do LCA e artrose
O risco artrogénico após rotura do LCA é genericamente interpretado pela instabilidade anterior da tíbia , facto que determina uma alteração biomecânica crónica 23 . No entanto , a etiopatogenia da artrose 23 após lesão ligamentar pode ser sistematizada segundo fatores diretos ( a lesão meniscal , a lesão condral aguda , a mediação inflamatória ,…) e fatores indiretos ( a instabilidade biomecânica direta e rotatória , as sequelas da meniscectomia , as alterações no alinhamento sagital ou frontal , a obesidade , o tipo de atividade física , a iatrogenia , as lesões associadas e a idade do atleta ).
Diferentes estudos pretendem encontrar a evidência científica que justifica o enquadramento clínico .
14 · Maio 2013 www . revdesportiva . pt