Revista de Medicina Desportiva Informa Julho 2019 | Page 28
Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(4):26-27,31. https://doi.org/10.23911/Semenya_RQS_2019_7
Maria de Lurdes G.
Matos
Médica especialista
em Endocrinologia
Hospital Curry
Cabral. Centro
Hospitalar
Universitário Lisboa
Central
O que é e qual é a causa do
hiperandrogenismo?
O hiperandrogenismo, ou
excesso de androgénios (tes-
tosterona e outros), é uma
alteração endócrina comum em
mulheres em idade fértil, com
uma prevalência de 5 a 10%.
A maior parte das mulheres
com hiperandrogenismo tem
síndrome de ovário poliquistico
(PCOS).
O hiperandrogenismo constitui
sempre um complexo desafio
para os médicos, porque as suas
causas podem ser múltiplas e
de difícil diagnóstico.
O excesso de androgénios pode
ocorrer por várias razões, como
sejam situações de aumento de
produção endógena de androgénios
pelas glândulas suprarrenais, pelos
ovários ou por ambos, aumento de
atividade de enzima 5-alfa redutase
(estimula recetores de androgénios),
alteração genéticas dos recetores de
androgénios ou de causa desconhe-
cida. Também podem existir outras
causas menos frequentes, como
sejam o hiperinsulinismo, o hipo-
tiroidismo, o excesso de cortisol ou
de hormona de crescimento. Nestas
situações verifica-se maior produção
de androgénios em mulheres, mas
em níveis inferiores aos dos homens.
A utilização de androgénios exóge-
nos em atletas pode ser outra causa
de hiperandrogenismo, mas é con-
siderado dopagem e proibido pela
WADA, estando nestas situações
os níveis de androgénios também
muito elevados.
O hiperandrogenismo pode ocorrer
em algumas mulheres que nascem
com diferenças/doenças do desen-
volvimento sexual em que o desen-
volvimento dos cromossomas
sexuais, gónadas e genitais externos
é atípico. Nestas situações
26 julho 2019 www.revdesportiva.pt
verifica-se produção muito aumen-
tada de testosterona, para níveis
idênticos aos dos homens.
As manifestações clínicas do
hiperandrogenismo podem ser
muito variáveis, de ligeiras a graves,
e incluem hirsutismo, acne, alopécia
andrógena e diferentes graus de viri-
lização. Se as manifestações de hipe-
randrogenismo ocorrerem na idade
adulta, de forma rápida e com níveis
de androgénios muito elevados, obri-
gam a pensar em causas tumorais.
Em 2006 surgiu um consenso
médico em que os termos pseudo-
hermafroditismo, hermafroditismo
e intersexo deveriam ser substituí-
dos por uma categoria designada
doenças do desenvolvimento sexual
(DSD). No entanto, esta designação
apesar de ser atualmente aceite
na comunidade médica, continua
sob grande controvérsia. Crianças
que nascem com genitais que não
se identificam tipicamente como
feminino ou masculino ou crianças
que têm uma aparência discordante
dos seus cromossomas sexuais são
classificadas como tendo doença do
desenvolvimento sexual.
O excesso de androgénios
traduz-se numa vantagem para
mulheres atletas?
No desporto em geral existem
provas para homens e provas para
mulheres, resultantes do facto dos
homens terem vantagem na força
muscular, na velocidade e na
resistência, conferidas pelos efeitos
anabólicos das hormonas masculi-
nas (androgénios) nos músculos.
Após a puberdade, verifica-se uma
diferença significativa na perfor-
mance desportiva entre homens e
mulheres. Nos homens há aumento
de testosterona circulante no sangue
15 vezes superior ao da mulher em
qualquer idade. Verifica-se uma rela-
ção dose-resposta entre testosterona
circulante e massa muscular, força
muscular e hemoglobina circulante
em homens e em mulheres. Esta
dicotomia determina diferenças
sexuais de massa muscular, força
muscular e níveis de hemoglobina,
resultando numa vantagem ergogé-
nica entre 8 a 12% para os homens.
Vários estudos científicos eviden-
ciam que níveis de androgénios
dentro dos limites normais para
mulheres desportistas se associam
positivamente com a sua perfor-
mance desportiva. Mulheres atletas
com níveis de testosterona no limite
superior do normal têm melhores
resultados em competições desporti-
vas de meia distância (2.1 a 2.9%)
segundo estudo de Bermon et al, 2018,
realizado em 1102 mulheres atletas de
alta competição. Outros estudos
científicos demonstraram que
hiperandrogenismo moderado, como
ocorre na síndrome do ovário poli-
quístico (PCOS), são frequentes em
mulheres atletas de alta competição.
Estas atletas com PCOS têm maior
massa muscular e maior massa óssea,
constituindo vantagem no seu
desempenho desportivo relativamente
a atletas sem doença. O hiperandroge-
nismo grave com testosterona muito
elevada, como ocorre em mulheres
com 46XY DSD, foi estimado em 140
vezes mais elevado em mulheres
atletas (Bermon et al, 2014). Estes
dados suportam o papel significativo
dos androgénios endógenos no
desempenho das mulheres atletas.
Dados publicados sobre doses ele-
vadas de testosterona exógena em
mulheres desportistas e níveis de
hemoglobina elevados por excesso
de androgénios endógenos em
mulheres com DSD estimam uma
vantagem ergogénica para essas
mulheres atletas da ordem dos 9%,
idêntica aos atletas masculinos.
Evidências científicas sobre níveis
de androgénios e desempenho des-
portivo têm implicado regulamenta-
ção no desporto e as mulheres com
DSD e com níveis de testosterona nos
valores dos homens são obrigadas
a reduzir os níveis de testosterona
para menos de 5 nmol/L se quiserem
competir em provas internacionais
de meia distância, de acordo com as
regras da IAAF de 2019.
Uma revisão de estudos científicos
laboratoriais sobre testosterona
demonstrou que mulheres saudáveis
têm níveis de testosterona circulante
entre 0.1 e 1.8 nmol/L e os homens
tem níveis de 7.7 a 29.4 nmol/L.
Mulheres com hiperandrogenismo
moderado, como no SOP, os níveis de
testosterona não ultrapassam 4.8
nmol/L (Handelsman et al, 2018 e
IAAF 2018).