Revista de Medicina Desportiva Informa Julho 2019 | Page 26
Semenya não está só
A tenista Martina Navratilova,
vencedora de 16 vezes do Grand
Slam, considera o veredicto muito
injusto e errado no princípio.
Refere que Semenya nada de mal
fez e que é horrível que tenha
de tomar drogas para competir.
“Regras gerais não devem ser
elaboradas a partir de casos parti-
culares”, referiu.
Billie Jean King é uma ex-tenista
americana consagrada nos anos
70. Ela terminou a carreira com
129 títulos em singulares, sendo
12 de grand slams em singulares.
Tem agora 75 nos e foi sempre
uma grande defensora da mulher
no desporto. Ficou muito desilu-
dida com a decisão do TAS, o qual
a impede de competir na auten-
ticidade do seu ser, e apoiou: “Eu
estou contigo”.
O famosíssimo jogador de bas-
quetebol da NBA Lebron James
também deu o seu apoio a
Semenya. Em setembro de 2018
voou de propósito para Berlim
para assistir ao melhor tempo do
ano na corrida de 1000m, numa
prova realizada pela IAAF. Alguém
escreveu: “O Rei do pavilhão
encontrou-se com a Rainha da
pista”.
24 julho 2019 www.revdesportiva.pt
de 2018, mas a disputa legal com
a IAAF imposta pela atleta e pela
Athletics South Africa (ASA), fez com
que fosse adiada até 26 de março. A
ASA, “profundamente desapontada e
em choque”, considera o caso como
um tema de implicação desportiva,
mas também um tema político, pois
considera uma decisão discrimina-
tória, que “serve para abrir as feridas
do apartheid”, o qual havia terminado
em 1991 na África do Sul.
Uma nação e o Congresso Nacio-
nal Africano (ANC) estão com ela.
Não aceitam este atentado contra os
direitos humanos e contra a sua
dignidade. As redes sociais têm dado
uma boa ajuda à sua causa e em
2016 a campanha #handsoffcaster
(deixem Caster em paz) recolheu
milhares de assinaturas de apoio à
atleta. Vários atletas manifestaram-
-lhe apoio (ver Caixa). As consequên-
cias financeiras são também terrí-
veis: em 2009 foi campeã do Mundo,
mas em 2010 ninguém a queria
patrocinar. A NIKE “pegaria” nela em
2018 e apresentou-a numa grande
campanha onde se pelava à auto-
confiança (ver Caixa). O ano de 2018
foi também o ano que obteve o
Diploma em Ciências do Desporto
pela Universidade de North-West,
em Potchefstroom.
Para baixarem os níveis de tes-
tosterona para níveis inferiores a 5
nmole/l, valor habitual numa atleta
feminina, esta atleta sul-africana,
de 28 anos, com 178cm de estatura,
terá agora de fazer tratamento
hormonal. Já agora pergunta-se: e
se o tratamento tiver efeitos late-
rais, o que fazer? Será que a IAAF
e o TAS terão alguma consideração
e reverterão as decisões depois de
descobrirem que deram origem a
uma pessoa doente? Por outro lado,
tal tratamento terá inevitavelmente
consequências no seu rendimento
físico e calcula-se que tal lhe custará
“cerca de 7 segundos na distância de
800m, o que representa a diferença
entre terminar em 1º ou em último
lugar na final dos JO de 2016”.
Semenya nasceu com uma “bênção
e com uma maldição”, “nasceu com
vantagens no rendimento caracte-
rísticas do atleta masculino, que no
mundo desportivo se descreve como
super-potência”.
A discussão continuará, os
argumentos suceder-se-ão, os apoios
ás duas partes serão muito muitos e,
acredita-se, o TAS tentou fazer o seu
melhor. É um acórdão que decide,
mas deverá estar aberto aos novos
conhecimentos, à discussão pública
competente e, acima de tudo, à saúde
física e mental do atleta. Afinal, não
este também um dos objetivos do
desporto?
Semenya sente-se discriminada,
sente-se perseguida, pois acredita
que a IAAF a tem “especificamente
perseguida”. Para já terá de aceitar
esta deliberação, mas o tema não
está nem de longe, nem de perto
encerrado. Foi-lhe permitido ainda
competir na Liga Dourada em Doha
em 26 de abril. Entretanto, teve 30
dias para recorrer para um Tribu-
nal Suíço contra o TAS. A ASA está
“confiante de um desenlace positivo
tendo em consideração os direitos
humanos, a evidência científica e
médico-legal”, que serão suficientes
para anular esta deliberação. Aguar-
demos pelo resultado. No entretanto,
os advogados da atleta referiram
que Semenya “não quer submeter-se
a intervenção médica para alterar o
que/quem é e como nasceu”.
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