Revista de Medicina Desportiva Informa Julho 2017 | Page 7
Prof. Doutor Manuel
Gutierres
Professor de Ortopedia da
Faculdade de Medicina
do Porto
Comentário do artigo da BMJ
“Exercise therapy versus arthrosco-
pic partial meniscectomy for dege-
nerative meniscal tear in middle
aged patients: randomized control-
led trial with two year follow-up”
É sem dúvida interessante a temá-
tica desde artigo que me foi proposto
comentar, visto que coloca em causa
a indicação de um dos procedi-
mentos ortopédicos, praticados em
regime ambulatório, mais comuns
em todo o mundo: a meniscectomia
artroscópica em lesões degenerati-
vas desta estrutura.
Publicado em 2016 no BMJ, os auto-
res, provenientes de serviços de Orto-
pedia e clínicas de Medicina Física
e Reabilitação da Noruega, Suécia e
Dinamarca, chamam a atenção para
a ausência de diferenças estatistica-
mente significativas nos resultados
aos dois anos entre a instituição de
um programa de exercícios especí-
ficos para reabilitação do joelho e a
realização de uma artroscopia com
meniscectomia parcial nos casos de
lesões meniscais degenerativas, em
indivíduos de meia idade.
Para o efeito, puseram em prática
um ensaio clínico randomizado, no
qual acompanharam, durante dois
anos, 140 doentes com uma idade
média de 49,5 anos (entre 35,7 e 59,9)
que apresentavam lesões degene-
rativas do menisco medial compro-
vadas por RM. Dividiram os doentes
em dois grupos: o primeiro, tratado
com meniscectomia artroscópica; o
segundo, submetido a 12 semanas
de exercícios supervisionados. Os
doentes foram depois avaliados com
recurso à aplicação do KOOS (knee
injury and osteoarthritis outcome score).
Os resultados revelaram não
existirem diferenças clinicamente
relevantes nos scores dos dois grupos,
avaliados ao fim de dois anos. Não
foram também encontradas reações
adversas em nenhum dos grupos e
apenas foi notada uma vantagem
ligeira, aos três meses, no ganho de
força muscular, que ocorreu no grupo
tratado apenas com exercício. Há a
salientar ainda que 19% dos doentes,
inicialmente propostos para trata-
mento conservador, optaram por
mudar a orientação de tratamento
e foram submetidos a artroscopia,
embora também depois, aos dois anos
de follow-up, não se tenha verificado
qualquer aparente benefício adicional.
Embora se deva ter em considera-
ção o perfil de população incluído no
estudo, as condições de acompanha-
mento fisiátrico, assim como even-
tuais variáveis cirúrgicas, trata-se de
um trabalho com uma metodologia
bem delineada, randomizado, pelo
que as suas conclusões não podem
ser ignoradas.
Trabalhos como este devem levar-
-nos a reequacionar a relação risco/
benefício para o doente, assim como
os eventuais custos acrescidos para
os sistemas de saúde e, por isso, as
indicações cirúrgicas do tratamento
das lesões meniscais degenerativas
neste grupo etário.
Alargando o âmbito deste estudo,
as guidelines da AAOS 1 também
apontavam já desde 2013 para a
falta de evidência clínica do benefí-
cio da realização de artroscopias de
lavagem em casos de joelho artró-
sico. Mais recentemente ainda, uma
revisão sistemática publicada no
BMJ em Maio de 2017 sobre trata-
mento do joelho artrósico, intitulada
Knee arthroscopy versus conservative
management in patients with degenera-
tive knee disease: a systematic review
veio enfatizar que, nestas situações,
embora seja um procedimento pra-
ticamente isento de complicações
graves, a longo prazo os doentes sub-
metidos a artroscopia parecem não
apresentar grandes melhorias em
termos de dor e de função articular,
comparativamente com aqueles que
foram tratados conservadoramente.
Quantos de nós, ortopedistas que se
dedicam ao tratamento destas pato-
logias, não sentem ao fim de anos
de experiência clínica, a forma como
muitos doentes melhoram com medi-
cação e fisioterapia adequadamente
instituídos em casos de lesões menis-
cais degenerativas? Obviamente,
continuam a existir situações em que
é necessário recorrer à artroscopia,
por exemplo, em casos de episódios
de bloqueio recorrente ou de dor
não controlável, mas provavelmente
num número mais reduzido do que o
atualmente praticado.
Urge então uma reflexão da
comunidade ortopédica, após a
leitura atenta destes artigos, sobre a
premência de evitar procedimentos
eventualmente desnecessários e a
adoção de critérios mais rigorosos
na seleção dos pacientes que efeti-
vamente beneficiam com a artros-
copia em lesões meniscais degene-
rativas, pois as evidências clínicas
parecem apontar no sentido de uma
abordagem mais conservadora .
1. Jevsevar DS, Brown GA, Jones DL, et al. The
American academy of orthopaedic surgeons
evidence-based guideline on: treatment of
osteoarthritis of the knee, 2nd edition. J Bone
Joint Surg Am 2013;95:1885–6.
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