Revista de Medicina Desportiva Informa Julho 2016 | Page 17

física do atleta, até porque existe um limite para além do qual a evolução estaciona por mais cargas que sejam aplicadas, restando a sabedoria e a arte de prolongar esse estado o maior tempo possível sem entrar em fadiga, a qual pode ser letal a curto e a longo prazo. O treino, conforme a ciência do livro, deve obedecer aos princípios das cargas progressivas, referenciadas por variáveis, como o volume, a frequência e a intensidade, distribuídas em micro e macrociclos. Na prática não funcionam lá muito bem, sobretudo em desportos de endurance, dado a imprevisibilidade dos objetivos e eventos individuais, como lesões ou outros, que não respeitam qualquer tipo de regra. Também não é fácil, ou até possível, dizer qual o melhor volume, intensidade ou frequência a aplicar. Estudos feitos sobretudo em nadadores verificaram que, em determinado espaço de tempo, reduzindo a carga de treino a metade em nada alterava o resultado final em termos de performance e por vezes até melhorava. A avaliação funcional No ciclismo, desporto de endurance por excelência, onde a componente aeróbia é determinante, privilegia-se numa primeira fase a componente aeróbia, que fará parte de 80% da carga de treino em cerca de 20 horas semanais, sendo os restantes 20% distribuídos em partes iguais por trabalho no limiar anaeróbio e por potência aeróbia máxima. Para tal, efetuo um teste na tentativa de melhor avaliar o VO2 máximo e o limiar láctico do VO2 pelo método da troca de gases. Simultaneamente, determino o limiar ventilatório. Realizo um teste em patamares progressivos, cada um com a duração de quatro minutos, de intensidade determinada em watts. No fim de cada patamar meço a lactatemia e calculo a média da frequência cardíaca (FC) para cada patamar intermédio, uma vez que nos dois últimos patamares a frequência cardíaca não se processa de modo tão previsível. Elaboro a respetiva curva, que para a prescrição de treino é o melhor instrumento, pois esse ponto reflete não só o gasto de energia, mas também a economia da mesma. No gráfico relaciona-se cada ponto da curva de lactato com a FC e com a potência (watts), as quais são fundamentais para a prescrição. No teste de VO2 máximo, quando possível, verifica-se o ponto de Conconi. A aquisição de tantos pontos, informação, tem como objetivo minimizar o eventual erro de qualquer um dos métodos e, por consequência, minimizar o erro na prescrição do treino. Pode acontecer, por exemplo, que num momento crítico da prova haja um resultado anormal do lactato no sangue obtido pela picada ou, até, haja o rebentamento de um pneu no teste realizado com a bicicleta do ciclista, embora em teoria tal nunca devesse acontecer. A informação obtida no teste irá ser usada para a prescrição do treino, que dependerá das nas inflexões da curva de lactatos, a qual tem comportamento semelhante às curvas do VCO2 e da ventilação. Recorde-se que a primeira inflexão ocorre com a acumulação do ácido lático e a outra inflexão ocorre aquando da passagem para a grande contribuição da componente anaeróbia na produção energética. E depois? Sabe-se que, embora havendo interferências de zonas, treinando em intensidades diferentes, como abaixo da primeira inflexão, entre as duas inflexões ou depois da última inflexão, o organismo estimula fatores que influenciarão o rendimento relacionado coma resistência (endurance): • A potenciação do metabolismo energético pela via oxidativa, a densidade dos capilares, o número de mitocôndrias e a utilização de gordura como fonte de energia são estimuladas maioritariamente na zona de transição ou abaixo da primeira inflexão; • A fosforilação oxidativa, o recrutamento de fibras musculares com predomínio das fibras tipo I, a glicólise aeróbia, a tolerância ao ácido láctico, o transporte de oxigénio, a potenciação do limiar anaeróbio, etc. são estimulados na zona entre a primeira e a segunda inflexão da curva; • As fontes de energia anaeróbia, o recrutamento de fibras brancas, a velocidade e a coordenação neuromuscular são estimuladas em intensidades acima da segunda inflexão da curva. O plano de treino A minha experiência de 25 anos nesta atividade diz-me que num plano de treino existe 20% de ciência, 30% de arte e 50% de experiência, o que significa a particularidade de cada planeamento de treino, de acordo com o conhecimento que se tem daquele atleta, resultante de expetativas e respostas prévias. Um plano de treinos tem de obedecer á especificidade de cada desporto e deve ser aplicado tendo em conta a avaliação rigorosa do atleta. A avaliação da resposta ao treino permite alterar o plano de treino conforme a resposta do organismo à carga externa. Então, na prática, como elaborar um plano para uma semana, por exemplo, para um atleta em início de época, após 2 meses de descanso (Ver Caixa)? A figura 1 indica os elementos recolhidos num teste progressivo com recolha de sangue para medição do ácido lático em cada patamar de intensidade. Trata-se de um ciclista com potencial para ganhar provas. Ele deve ser potenciado nesse sentido e em Revista de Medicina Desportiva informa Julho 2016 · 15