Revista de Medicina Desportiva Informa Janeiro 2019 | Page 31
apenas parcialmente no solo. Os
atletas reequilibram-se e transferem
o peso do seu corpo para as articu-
lações tarsometatatársicas, meta-
tarsicofalângicas, interfalângicas ou,
até mesmo, para a extremidade da
falange distal dos dedos (Figura 2).
Traumatologia no Ballet
No ballet, assim como em outros
desportos, existem dois tipos bási-
cos de lesões musculoesqueléticas:
lesões traumáticas agudas e lesões de
stress por movimentos repetidos. 8,9
As lesões traumáticas no ballet têm
origem multifatorial e estão associa-
das a fatores de riscos classificados
como intrínsecos e extrínsecos. 10 Os
intrínsecos incluem: biomecânica do
movimento, condição física, biotipo
corporal e idade do atleta. Os extrín-
secos são definidos como: clima local,
condições dos locais de treino, regras
de segurança próprias de cada insti-
tuição e equipamentos disponíveis.
A cada 159 bailarinos profissio-
nais, 110 reportam entre uma e
quatro lesões por ano. 11 Por sua
vez, a cada 1000 horas de treino são
relatadas de 0.62 a 5.6 lesões. 11,12 No
entanto, alguns autores chamam a
atenção da prevalência importante
de lesões não reportadas pelos prati-
cantes de ballet de modo a não preju-
dicarem os ensaios e a harmonia do
corpo de dança, o que conduz a um
provável subdimensionamento des-
tes números. 1 De entre os lesiona-
dos, a maioria, independentemente
do sexo, apresentou lesões por movi-
mentos repetidos, correspondendo
a quase o dobro da incidência das
lesões traumáticas agudas. 12 A maio-
ria das lesões ocorre na região distal
dos membros inferiores durante
o período de ensaios para grandes
eventos, que exige mais horas de
dedicação dos atletas, ou durante
as próprias apresentações. Uma
menor parte das lesões ocorre nas
salas de treino habituais, o que está
de acordo com a exigência maior da
aproximação da competição. 1,11,12
Dividindo as lesões de acordo com
a sua localização, temos a seguinte
distribuição: 53% nos pés e tornozelos,
21.6% nas ancas, 16.1% nos joelhos e
9.3% na coluna vertebral. 12 Analisando
a incidência de lesões com relação ao
sexo dos bailarinos e à modalidade
de ballet praticada, a grande maioria
ocorre no sexo feminino (75.9%) e na
modalidade de ballet clássico (83.6%).
Estatisticamente, a síndrome da dor
patelofemoral, as roturas dos múscu-
los adutores da coxa, a síndrome da
anca de ressalto, a tendinopatia de
Aquiles e as lombalgias mecânicas são
as cinco lesões mais frequentemente
relatadas. 13 A prevalência de lesões
específicas de acordo com o sexo dos
bailarinos varia. Nas mulheres são
mais prevalentes a fratura de stress do
1º metatársico, a fratura e/ou luxa-
ção da articulação tarsometatársica
de Lisfranc, a patologias das ancas e
as lesões musculares cervicais. Já no
sexo masculino, as roturas da coifa
dos rotadores, as bursites subacromiais
e as entorses da articulação metatar-
sicofalângica do hállux são as mais
prevalentes. Essas diferenças especí-
ficas entre os sexos são justificadas
pelos seguintes fatores: os homens no
ballet clássico têm maiores exigências
de ordem de força física, enquanto às
mulheres são mais exigidas habilida-
des técnicas. Além disso, existem movi-
mentos mais específicos para mulhe-
res (direcionados ao uso das sapatilhas
de ponta e aos en dehors – acentuada
inversão plantar) ou para os homens
(saltos de maior amplitude e portées –
ato de segurar uma colega bailarina
em seus braços para que ela realize
algum movimento suspensa no ar). 14
Relativamente aos pés, devido
à exaustiva dorsiflexão do hállux
durante este desporto, característica
do relevé, a sobrecarga mecânica da
1ª articulação metatarsicofalângica
é frequente, resultando em situações
de entorse, instabilidade, fraturas
de stress e artrose desta articulação,
bem como patologias dos sesamoi-
des do hállux, em particular do sesa-
moide medial, desde sesamoidites a
luxações e fraturas de stress. 23 Este
movimento associado à hiperflexão
plantar do tornozelo aumenta o
risco de fraturas de stress diafisárias
dos metatársicos, em particular dos
dois primeiros, havendo ainda lugar
para destacar a fratura de stress
da base do 2º metatársico típica
do praticante de ballet. Outra lesão
também frequentemente relatada
é a tenossinovite do longo flexor do
hállux, no seu trajeto entre os dois
sesamoides. Ambas se manifestam
mais em bailarinas clássicas devido
ao rigor dos movimentos e ao uso,
quase ininterrupto, das sapatilhas de
ponta. 15 – 17 A tendinopatia do Aquiles
é a lesão mais comum dos tornoze-
los dos dançarinos profissionais de
ballet clássico, correspondendo a 9%
do total de lesões. Ocorre devido ao
esforço repetido e constante sobre
o tendão, principalmente durante
os intensos e frequentes saltos e
corridas. 18,19 A posição frequente
neste desporto do tornozelo em
hiperflexão plantar pode ser tam-
bém responsável por desencadear
o síndrome de conflito posterior
do tornozelo, uma entidade em
que ocorre conflito entre o rebordo
posterior da tíbia distal e o tubérculo
póstero-lateral da apófise poste-
rior do astrágalo ou osso trígono
se presente. 20 Este tubérculo, onde
se insere o ligamento fíbulotalar
posterior do complexo ligamentar
colateral lateral do tornozelo, pode
ser anormalmente alongado, deno-
minando-se processo de Stieda, ou
ter um ossículo acessório associado,
o osso trígono, o segundo sesamoide
mais frequente do corpo humano,
que pode estar ou não unido ao
tubérculo por uma articulação
fibrosa, cartilagínea ou fibrocartila-
gínea. Sendo assim, a presença do
processo alongado, do osso trígono
ou mesmo a disrupção da sua
articulação com o tubérculo após
movimentos repetidos de hiperfle-
xão plantar típicos do ballet podem
desencadear sintomas de conflito
posterior do tornozelo. 20
Quanto às lesões das ancas, 91%
correspondem a síndrome de ressalto
da anca, sendo mais frequente o res-
salto lateral do que o anterior. Ocorre
devido a um espessamento do bordo
posterior do trato iliotibial decorrente
das repetidas e amplas rotações late-
rais das ancas e por consequência
dos membros inferiores – en dehors –
durante a prática deste desporto. 21-24
Numerosos estudos mencionam
que relativamente aos joelhos dos
dançarinos, a patologia mais comum
é a síndrome de dor patelofemoral. 14,25
Na maioria dos casos, o diagnóstico
foi feito após exclusão de outras
causas para dor na face anterior
do joelho, incluindo a tendinopa-
tia patelar, descrita por um grupo
menor de autores como a patologia
de joelho mais prevalente. A preva-
lência importante de patologia pate-
lofemoral deve-se provavelmente
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