Revista de Medicina Desportiva Informa Janeiro 2016 | Page 11
Caso clínico
Rev. Medicina Desportiva informa, 2016, 7 (1), pp. 9–11
Enfarte Agudo do Miocárdio
Associado ao Consumo
Prolongado de Esteroides
Androgénicos Anabolizantes
Dra. Rita Marinheiro, 2Dr. Pedro Amador, 3Dra. Tatiana Duarte, 4Dr. Filipe Seixo, Dr. Rui Caria
Interno complementar, pós-graduação em Medicina Desportiva; 2Assistente hospitalar; 3Interno
complementar; 2Assistente hospitalar; 4Assistente hospitalar graduado e Diretor de Serviço.
Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Setúbal – Hospital de São Bernardo. Setúbal
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RESUMO / ABSTRACT
Os esteroides androgénicos anabolizantes parecem causar efeitos aterogénicos, trombogénicos, vasospásticos e miocárdicos diretos1, que podem contribuir para aumento do
risco cardiovascular2. Apresenta-se o caso de um halterofilista de 56 anos, hipertenso, que
consumia esteroides desde há 13 anos, ininterruptamente, e que se apresentou com um
enfarte agudo do miocárdio. É proposto que o consumo de esteroides a longo prazo seja o
principal responsável pelo evento.
Anabolic-androgenic steroids appear to cause atherogenic, thrombogenic, vasospastic and direct
myocardial effects1 which can contribute to an increased cardiovascular risk2. The authors present a
case of a 56-years bodybuilder, hypertensive, that consume steroids for thirteen years continuously
and presented with an acute myocardial infarction. It is proposed that the long term use of steroids
is the main responsible for the event.
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Esteroides androgénicos anabolizantes, enfarte agudo do miocárdio, fator de risco cardiovascular
Anabolic-androgenic steroids, acute myocardial infarction, cardiovascular risk factor
Introdução
Os esteroides androgénicos anabolizantes (EAA) são derivados sintéticos da testosterona que estimulam
a síntese proteica e são usados pelos
atletas com o objetivo de aumentar
a massa muscular magra, melhorar
a performance física e a aparência2.
O primeiro controlo de dopagem
com EAA remonta a 1968 nos Jogos
Olímpicos do México e desde então o
seu uso tem vindo a aumentar3. De
acordo com os dados estatísticos da
Autoridade Antidopagem de Portugal
(ADoP), os EAA corresponderam a
25% dos casos positivos detetados
no Programa Nacional Antidopagem
em 20134. No entanto, o seu uso não
está de todo limitado aos atletas
federados, mas é também uma
prática comum entre muitos praticantes amadores e recreacionais5.
Sabe-se que a utilização de EAA em
ginásios é excessiva e, apesar de tal
não ser valorizado pelas organizações desportivas ou pela opinião
pública, é uma preocupação médica
importante. Nos últimos anos têm
sido descritos muitos efeitos adversos dos EAA6, dos quais se destacam
os efeitos cardiovasculares (CV)7.
O enfarte agudo do miocárdio
(EAM) é o efeito CV mais comummente descrito em casos clínicos8,
apesar de deverem ser interpretados
com a precaução, uma vez que não
está demonstrada uma relação causal entre o abuso de EAA e o EAM.
Estes casos sugerem a existência de
mecanismos através dos quais os
EAA podem afetar o sistema cardiovascular.
Melchert e Welder (1995) classificaram os efeitos CV induzidos
pelos EAA em 4 modelos hipotéticos
(figura 1)1.
A alteração dos níveis de lípidos
nos utilizadores de EAA – aumento
das Low-Density Protein (LDL) e diminuição das High-Density Protein (HDL)
– leva ao aumento do risco de EAM
(modelo aterogénico)1. Eberbichler el
al (2001) consideram que, dado que
os EAA podem induzir um perfil de
risco aterogénico, estes podem ser
considerados um potente fator de
risco CV3. Além disso, os EAA diminuem a atividade fibrinolítica, suprimem a síntese de prostaciclinas,
aumentam a libertação das proteínas C e S e aumentam a agregação
plaquetária, bem como a produção
e ativação de trombina e plasmina.
Todos estes fatores aumentam o
risco de oclusão vascular (modelo
trombogénico). O uso de EAA leva a
alterações na reatividade dos vasos
(modelo de vasospasmo). A hipertensão arterial (HTA) tem sido também
associada ao uso de EAA (apesar
de alguns dados controversos), o
que, juntamente com os achados de
aumento da espessura do septo e da
massa do ventrículo esquerdo (VE),
pode levar a um remodeling cardíaco
adverso. As alterações estruturais
do miocárdio parecem contribuir
para os efeitos pró-arrítmicos dos
EAA (efeitos miocárdicos diretos)1.
A contribuição relativa destes
mecanismos não é ainda clara2. Stergiopoulos et al (2008) propõem uma
potencial relação entre os fatores de
risco CV tradicionais e o uso de altas
doses de EAA7.
Caso clínico
Os autores descrevem o caso clínico
de um homem de 56 anos, praticante de halterofilismo, que recorreu ao Serviço de Urgência por dor
torácica tipo aperto, com irradiação
para ambos os membros superiores e mandíbula, acompanhada de
sudorese profusa e vómitos, cerca de
uma hora após a prática de exercício físico e com duração de cerca
de 45 minutos, sem alívio. O único
fator de risco CV que
Model
AAS effects
apresentava era HTA,
Atherogenic
Lipoprotein concentrations
diagnosticada há cerca
Thrombogenic
Clotting factors and platelets
de 4 anos. Negava anteVasospasm
Vascular nitric oxide system
cedentes familiares de
Direct myocardial injury
Myocardial cell injury and death
doença CV. O doente
admitia o consumo de
Figura 1 – Quatro modelos propostos para