Revista de Medicina Desportiva Informa Janeiro 2012 | Page 15

Tema 3

Rev . Medicina Desportiva informa , 2012 , 3 ( 1 ), pp . 13 – 15

Morbilidade da zona dadora após ligamentoplastia do LCA

Dr . João Pedro Oliveira ( 1 , 2 ) , Prof . Doutor Fernando Fonseca ( 2 , 3 )
( 1 )
Interno de Ortopedia dos HUC / CHUC ; ( 2 ) Mestre em Medicina do Desporto pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra ; ( 3 ) Chefe de Serviço de Ortopedia dos HUC / CHUC ; Professor Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra . Serviço de Ortopedia , Hospitais da Universidade de Coimbra
RESUMO ABSTRACT
Após ligamentoplastia do cruzado anterior , a dor anterior do joelho e o défice de força muscular e sensitivo são das mais importantes variáveis a influenciar o resultado final de uma cirurgia tecnicamente correta , estando estas intrinsecamente relacionadas com o tipo e localização do enxerto utilizado .
After anterior cruciate ligamentoplasty , anterior knee pain , sensibility and muscular strength deficits are the most important variables affecting the final outcome of the well positioned neo-ligament , being these outcomes intrinsically related to the type and location of the graft utilized .
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Ligamento cruzado anterior , ligamentoplastia , dor , sensibilidade , morbilidade da zona dadora . Anterior cruciate ligament , ligamentoplasty , pain , sensibility , donor site morbidity .
Introdução
É reconhecida a importância do ligamento cruzado anterior ( LCA ) no funcionamento normal do joelho , principalmente nos desportos que requerem movimentos de rotação 1 . Em caso de rotura ligamentar , nomeadamente em desportos com marcada solicitação dos movimentos de rotação do joelho ( futebol , râguebi , basquetebol ), se após o período de reabilitação os episódios de instabilidade persistirem é justificada a necessidade de reconstrução daquele ligamento em grande número de casos .
Nos Estados Unidos da América calcula-se que todos os anos sejam diagnosticadas cerca de 200,000 roturas do LCA por ano 2 , 3 , o que salienta a importância do seu correto tratamento . O LCA funciona como estabilizador em todos os movimentos do joelho nas três dimensões ( antero-posterior , medial-lateral e proximal-distal ) e nas três rotações ( flexão-extensão , adução-abdução e rotação axial interna-externa ). No entanto , a sua principal função como estabilizador consiste em prevenir a translação anterior da tíbia em relação ao fémur . A reconstrução do LCA tem por objetivo criar uma réplica do LCA original o que , devido à sua textura tridimensional , não é possível . No entanto , é possível a sua reconstrução aproximada , tendo em conta os avanços no conhecimento da biomecânica , o respeito pela anátomo-fisometria , a escolha de enxertos ligamentares com estruturas mais próximas da do LCA original e a recuperação mais cuidadosamente apoiada durante o processo de ligamentização .
Escolha do Enxerto para a Reconstrução do LCA
A escolha do enxerto tem evoluído ao longo dos anos , sendo que tradicionalmente têm sido utilizados autoenxertos ( osso - tendão patelar - osso [ OTO ]), tendão do semitendinoso e do gracilis ( ST-G ), tendão quadricipital , fáscia Lata ), em detrimento dos aloenxertos , xenoenxertos e enxertos sintéticos . As plastias atualmente mais utilizadas são a OTO e a ST-G em feixe duplo . Se em relação aos autoenxertos a maior desvantagem tem sido relacionada com a morbilidade da zona dadora , nos aloenxertos persiste a “ dificuldade ” na aquisição , o preço elevado , a deterioração das suas propriedades mecânicas e poderem ser sede de resposta imunológica por parte do hospedeiro 4 , 5 .
Na década de 80 verificou-se grande tendência na utilização de ligamentos sintéticos , quer como substitutos do LCA , quer como reforço do neo-ligamento , para evitar a morbilidade da zona dadora , como por exemplo os ligamentos em Dacron ( Leeds Keyo ) 6 , as fibras de carbono 7 , o Gore-Tex 8 e o Proplast 9 . Praticamente todos foram progressivamente abandonados uma vez que não conseguiam duplicar o comportamento mecânico do LCA . Mais recentemente , e com o advento da engenharia de tecidos , têm surgido relatos na literatura da utilização de uma matriz biodegradável , mecanicamente similar ao LCA nativo , que promove a formação e proliferação de tecido ligamentar 10 .
Numa ligamentoplastia do LCA sem complicações e tecnicamente correta , para além da laxidez residual , o que mais pode afetar o resultado final são as queixas álgicas e o défice de força muscular e sensitivo , sendo estes os problemas mais importantes a interferir no resultado final pós-cirúrgico 11 , 12 , 13 , 14 .
Queixas Álgicas
A análise das queixas álgicas após a ligamentoplastia do LCA é um tema de interpretação delicado pela falta de consenso na sua definição . Em 1999 , no Congresso da Sociedade Francesa de Artroscopia , foi dado especial destaque ao aparecimento da dor anterior do joelho após reconstrução do LCA . Numa revisão de 1058 casos operados , e com um recuo médio de 18 meses de pós-operatório , as queixas álgicas estiveram presentes em 43 % das ligamentoplastias artroscópicas com OTO e 25 % com ST-G e , mesmo que mínimas , a longo prazo interferiram no decurso das atividades de vida diária .
Durante uma ligamentoplastia do LCA que utilize como plastia OTO observa-se dor anterior do joelho numa frequência que varia de 4 a 60 % dos casos , estando essa morbilidade relacionada com a escolha do enxerto 11 , sendo que a incidência de dor anterior do joelho no pós-operatório é menor com o uso da plastia ST-G ( 14 %) do que com o uso de OTO ( 47 %) 15 . Gaudot F . et al . ( 2007 ) 16 referem que a presença de dor no pós-operatório , mesmo que ligeira ,
Revista de Medicina Desportiva informa Janeiro 2012 · 13