Revista Crea-SP | nº 07 | Page 22

com muita facilidade os sotaques das regiões que visitava ou morava . E toda vez havia certo preconceito pelo meu jeito de falar . Era difícil ouvir as piadas , retomar amizades foi impossível porque não voltei para a mesma escola de onde sai , então tive que fazer novas amizades . Tarefa difícil porque os colegas da escola diziam “ além de neguinha , você é do norte , ‘ baian ’. Eu dizia que baiana era minha mãe , ela sim era nordestina , e meu pai era mineiro e que mal havia nisso ? Meu sotaque marcado pelos acentos do Nordeste era um empecilho para minha socialização ”, conta Simone .

MILITÂNCIA

De família tradicional católica , devota de Nossa Senhora Aparecida e de São Benedito , Simone teve os primeiros contatos com a militância na igreja , ligada às Pastorais Sociais , que descendiam das Comunidades Eclesiais de Base e já participando do Movimento Negro ( UNEGRO – União de Negros Pela Igualdade ), o que , aliado à facilidade de acesso às literaturas sobre a Teologia da Libertação , “ foi importante para o amadurecimento e formação de uma consciência crítica sobre a construção de nossa sociedade ”, avalia .
“ Na década de 1980 não se falava claramente sobre racismo na escola , os livros

CABELO E IDENTIDADE

“ Quando essa preta começa a tratar do cabelo , é de se olhar ”, canta Caetano Veloso em sua “ Beleza Pura ”. Cabelos e penteados são parte indissociável da identidade da mulher negra . “ Sofria a cada vez que precisava passar chapinha para alisar o cabelo , usei pente de ferro , chapinha e babyliss , henê maru , pasta , wellin e tudo quanto foi produto para alisar o cabelo . Porque como eu tinha muito cabelo e bem crespo , minha mãe tinha muita dificuldade para pentear e manter preso durante toda a semana , por causa da escola , então quando eu tinha de sete para oito anos , ela cortou o meu cabelo e passou um amaciante . Daí pra frente eu nunca mais usei cabelo crespo . Minha mãe dizia : mulher para ficar bonita sofre e a preta sofre bem mais . Era verdade . Manter o cabelo liso era puro sofrimento . Já meu pai , mesmo despenteada , sempre dizia : lembre-se sempre que você é uma menina linda , das mais lindas que já vi , nunca esqueça do quanto você é linda . Ainda assim ele sempre pedia para arrumar meu cabelo antes de sairmos ( risos )”, recorda .
Com a filha “ optei por manter o cabelo dela natural até que ela fizesse 12 anos , ( lhe ) dando então a possibilidade de optar por passar química ou deixar ao natural . Então essa opção incomodava os amigos , alguns parentes e até no inicio a ela própria . Hoje ela me pede ao ir para um salão de beleza : ‘ mãe não deixa ninguém passar química no meu cabelo , só hidratar , tá bom ? Tenho muito orgulho de ter construído essa autoestima em minha filha ”, celebra .
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