Revista Cenariun - Terraço 21 RC TERRAÇO 21 E-MAG | Page 42

o prazer de ler O IRMÃO José Franco Formação em CiÊncias Sociais e Adm. Hoteleira. (Escreveu para a Folha de São Paulo, Revista Eat Magazine, Revista What’ e Revista Metrópólis) - [email protected] E m maio, Chico Buarque de Holanda, recebeu, pelo conjunto de sua obra, o Prêmio Literário Camões, sem dúvida, um dos mais importantes prêmios da Literatura da língua portuguesa. Normalmente essas premiações e reconhecimentos não recebem muita atenção da mídia e dos brasileiros em geral. Contestamos e criticamos facilmente nossos compatriotas “famosos” e bem sucedidos. Haja visto o que sofreu Emerson Fittipaldi, quando tentou montar uma equipe brasileira de fórmula 1, ainda nessa área Rubens Barrichello e Felipe Massa, são quase sempre motivos de chacotas. Alguns jogadores de futebol mesmo jogando nos melhores times europeus e sendo considerado pela crítica internacional como melhores do mundo, por aqui são continuamente criticados e motivo de piadas de mau gosto. No campo esportivo, isso até pode ser compreensível pois envolve emoção e paixão. Não deveria ser assim no campo das ciências, tecnologias, artes e cultura em geral. Mas, infelizmente é. Agora, também em maio, dois filmes brasileiros, Bacurau e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, foram premiados no Festival de Cinema de Cannes. Certamente a premiação mais importante do cinema depois do Oscar e, pouco ou quase nada se falou por aqui. Em março, o físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser ganhou o Prêmio Templeton, o primeiro latino-americano a receber tal reconhecimento. Podia falar da falta de reconhecimento nas áreas da medicina e pesquisas, mas vamos ficar nesses poucos exemplos. É comum não dar o devido valor a essas conquistas e consagrações que nossos cientistas e artistas alcançam. Uma pena. Infelizmente são muitos os casos, mas com o Chico Buarque a situação é um pouco pior ou, muito pior. Ele virou alvo de duras críticas por grande parte da imprensa e população por conta de suas posições políticas e, daí para a “desconstrução” de sua obra artística foi um pulo. Cresci ouvindo Chico e as letras de suas músicas são, ao meu ver, absolutamente geniais. A mesma coisa podemos falar das suas peças de teatro e musicais. Tudo com a ALEMÃO marca do gênio. Posso, seguramente, discordar de suas opções e escolhas mas desconsiderar seu talento e genialidade, não é razoável. Simplesmente não consigo. Quando Chico lançou seu primeiro livro, Estorvo em 1991, li motivado pela curiosidade. Queria ver como um compositor de música popular poderia funcionar como escritor de ficção. A letra de uma música é uma jornada para menos folego. Poesia, ritmo e melodia. O romance exige mais energia, mais tempo e planejamento. Estilos completamente diferentes. Chico surpreendeu com seu romance. A crítica literária inicialmente reticente, dobrou- se a qualidade do escritor. Quando veio Benjamin em 1995, novamente fiz questão de ler o livro. Mais uma vez, excelente. Não parei mais de ler seus livros: Budapeste em 2003, Leite Derramado em 2009 e O Irmão Alemão em 2014. Com essa polêmica toda em volta do Chico e agora com a merecida premiação resolvi reler O Irmão Alemão, gostei ainda mais. O livro é bem interessante e para quem conhece relativamente bem a capital paulista é muito divertido se identificar com os cenários descritos. Avenida e Cemitério da Consolação, Avenida Paulista, Henrique Schaumann , Dr. Arnaldo... enfim, para quem conhece é uma delícia passear por São Paulo pelas mãos do Chico. Outra coisa que talvez poucas pessoas saibam é que o Chico teve realmente um meio irmão alemão. Quando seu pai morou na Alemanha, ainda solteiro, entre 1929 e 1930, teve uma aventura amorosa que resultou em filho que ele não chegou a conhecer. Chico ficou sabendo dessa história na casa de Manuel Bandeira quando tinha 22 anos. Resolveu retomar a história e a transformou em livro. Embora existam provas, documentos, cartas, Capa: Companhia das Letras etc., fica difícil saber o que são fatos e o que são devaneios do autor. A história se passa na década de 60 e o cenário da ditadura militar também é pano de fundo dessa mistura de realidade e ficção tão bem costurados pelo autor. O Irmão Alemão é um livro de leitura rápida e prazerosa. É quase impossível parar de ler enquanto não se desvenda o paradeiro do irmão alemão do autor. Para quem gosta de ler, de livros, de história e de textos bem escritos essa é uma dica imperdível. Sem preconceitos e independentemente do que pensem das posições políticas do homem Chico.