o prazer de ler
O IRMÃO
José Franco
Formação em CiÊncias Sociais e
Adm. Hoteleira. (Escreveu para a
Folha de São Paulo, Revista Eat
Magazine, Revista What’ e Revista
Metrópólis) - [email protected]
E
m maio, Chico Buarque de Holanda, recebeu, pelo
conjunto de sua obra, o Prêmio Literário Camões,
sem dúvida, um dos mais importantes prêmios
da Literatura da língua portuguesa. Normalmente essas
premiações e reconhecimentos não recebem muita atenção
da mídia e dos brasileiros em geral. Contestamos e criticamos
facilmente nossos compatriotas “famosos” e bem sucedidos.
Haja visto o que sofreu Emerson Fittipaldi, quando tentou
montar uma equipe brasileira de fórmula 1, ainda nessa área
Rubens Barrichello e Felipe Massa, são quase sempre motivos
de chacotas. Alguns jogadores de futebol mesmo jogando
nos melhores times europeus e sendo considerado pela
crítica internacional como melhores do mundo, por aqui são
continuamente criticados e
motivo de piadas de mau gosto.
No campo esportivo, isso até
pode ser compreensível pois
envolve emoção e paixão. Não
deveria ser assim no campo
das ciências, tecnologias,
artes e cultura em geral.
Mas, infelizmente é. Agora,
também em maio, dois filmes
brasileiros, Bacurau e A Vida
Invisível de Eurídice Gusmão,
foram premiados no Festival
de Cinema de Cannes.
Certamente a premiação mais
importante do cinema depois
do Oscar e, pouco ou quase
nada se falou por aqui. Em
março, o físico e astrônomo
brasileiro Marcelo Gleiser
ganhou o Prêmio Templeton,
o primeiro latino-americano
a receber tal reconhecimento.
Podia falar da falta de
reconhecimento nas áreas da
medicina e pesquisas, mas
vamos ficar nesses poucos
exemplos. É comum não dar
o devido valor a essas conquistas e consagrações que nossos
cientistas e artistas alcançam. Uma pena. Infelizmente são
muitos os casos, mas com o Chico Buarque a situação é um
pouco pior ou, muito pior. Ele virou alvo de duras críticas
por grande parte da imprensa e população por conta de suas
posições políticas e, daí para a “desconstrução” de sua obra
artística foi um pulo. Cresci ouvindo Chico e as letras de suas
músicas são, ao meu ver, absolutamente geniais. A mesma coisa
podemos falar das suas peças de teatro e musicais. Tudo com a
ALEMÃO
marca do gênio. Posso, seguramente, discordar de suas opções
e escolhas mas desconsiderar seu talento e genialidade, não é
razoável. Simplesmente não consigo. Quando Chico lançou seu
primeiro livro, Estorvo em 1991, li motivado pela curiosidade.
Queria ver como um compositor de música popular poderia
funcionar como escritor de ficção. A letra de uma música
é uma jornada para menos folego. Poesia, ritmo e melodia.
O romance exige mais energia, mais tempo e planejamento.
Estilos completamente diferentes. Chico surpreendeu com
seu romance. A crítica literária inicialmente reticente, dobrou-
se a qualidade do escritor. Quando veio Benjamin em 1995,
novamente fiz questão de ler o livro. Mais uma vez, excelente.
Não parei mais de ler seus livros: Budapeste em 2003, Leite
Derramado em 2009 e O Irmão
Alemão em 2014. Com essa
polêmica toda em volta do Chico
e agora com a merecida premiação
resolvi reler O Irmão Alemão,
gostei ainda mais. O livro é bem
interessante e para quem conhece
relativamente bem a capital paulista
é muito divertido se identificar com
os cenários descritos. Avenida e
Cemitério da Consolação, Avenida
Paulista, Henrique Schaumann , Dr.
Arnaldo... enfim, para quem conhece
é uma delícia passear por São Paulo
pelas mãos do Chico. Outra coisa
que talvez poucas pessoas saibam
é que o Chico teve realmente um
meio irmão alemão. Quando seu pai
morou na Alemanha, ainda solteiro,
entre 1929 e 1930, teve uma aventura
amorosa que resultou em filho que
ele não chegou a conhecer. Chico
ficou sabendo dessa história na casa
de Manuel Bandeira quando tinha
22 anos. Resolveu retomar a história
e a transformou em livro. Embora
existam provas, documentos, cartas,
Capa: Companhia das Letras
etc., fica difícil saber o que são fatos
e o que são devaneios do autor. A história se passa na década
de 60 e o cenário da ditadura militar também é pano de fundo
dessa mistura de realidade e ficção tão bem costurados pelo
autor. O Irmão Alemão é um livro de leitura rápida e prazerosa.
É quase impossível parar de ler enquanto não se desvenda o
paradeiro do irmão alemão do autor. Para quem gosta de ler,
de livros, de história e de textos bem escritos essa é uma dica
imperdível. Sem preconceitos e independentemente do que
pensem das posições políticas do homem Chico.