Revista Cenariun - Kelly Iamamoto RC KELLY IAMAMOTO CAPA | Page 12
o prazer de ler
ENTERRO
CELESTIAL
POR XINRAN
José Franco
Formação em CiÊncias Sociais e
Adm. Hoteleira. (Escreveu para a
Folha de São Paulo, Revista Eat
Magazine, Revista What’ e Revista
Metrópólis)
[email protected]
N
o primeiro texto que escrevi para a Revista, havia
comentado que a minha intenção seria sugerir lei-
turas e livros que tivessem me impressionado e, de
alguma forma, modificado a minha visão do mundo, das pes-
soas e das suas relações. Não necessariamente lançamentos e,
principalmente, best sellers. Tinha, então, a intenção de rever
minhas leituras mais significativas e a quase certeza de que de-
moraria muito para escrever sobre livros
lidos recentemente. Essa ideia caiu por
terra quando, meio que por acaso, caiu
em minhas mãos o Enterro Celestial,
da escritora e jornalista chinesa Xinran.
Foi amor à primeira vista. Não posso,
honestamente, perder a oportunidade
de sugerir a leitura dessa curiosa, emo-
cionante e fascinante história. Xinran, é
uma jornalista e escritora chinesa e eu
nunca tinha lido nenhum romance de
um autor chinês. Nascida em Pequim
em 1958, inicialmente trabalhou como
jornalista e chegou a ter um programa de
rádio chamado, Palavras na Brisa Notur-
na, em que ouvia relatos sobre as difíceis
condições de vida de suas ouvintes. Re-
solveu escrever um livro sobre o assunto
e, quando, foi impedida de publicá-lo re-
solveu mudar para a Inglaterra. Publica-
Capa: CIA das Letras
do, o livro, As Boas Mulheres da China,
foi um tremendo sucesso. Não parou mais de escrever seus li-
vros. Atualmente é, também, colunista do jornal The Guardian
e leciona na Universidade de Londres. Enterro Celestial, é a
história verídica da médica chinesa Shu Wen. Quando tinha 5
anos, Xinran, a escritora, tinha ouvido uma história que con-
tava que os Tibetanos tinham cortado o corpo de um soldado
chinês em mil pedaços e jogado para os abutres. Só por que ele
havia matado um abutre. Essa história a impressionou muito e
ficou profundamente marcada em sua memória. Aos 34 anos
ela teve, casualmente, um encontro com uma estranha chinesa
que havia voltado do Tibet. Incrivelmente essa idosa senhora
era Shu Wen e, por dois dias, ela contou a sua história para Xin-
ran. Mesmo sendo real a história remete ao realismo fantástico
por mostrar os mistérios do sagrado e do místico. O choque
cultural como algo estranho e irreal. É muito rico e interessan-
te. Enterro Celestial é sobre a longa viagem, mais de 30 anos,
que Shu Wen faz em busca de explicações sobre a suposta mor-
te de seu marido Kejun, também médico. Apenas 100 dias de-
pois de casados ela recebe a notícia da morte
Kejun, convocado pelo Exército Popular de
Libertação da China, para cuidar de feridos
em terras tibetanas. Sem acreditar na morte
do seu amor, sozinha ela parte para o Tibet
e inicia sua fantástica jornada. O encontro
entre culturas e tradições tão surpreendente-
mente diferentes pode resultar em empatia e
entendimento ou em conflitos dramáticos e
fatais. Descobrir o significado do ritual tibe-
tano para o enterro celestial pode ser a chave
para o entendimento de toda sua busca. Uma
leitura superficial do livro pode passar a ideia
que se trata de uma história de amor ou so-
bre choques culturais ou sobre uma viagem a
um país exótico. Também não é uma história
sobre o conhecido conflito entre chineses e
tibetanos. É, na verdade, uma história sobre
amor, devoção e solidariedade. Sobre as gran-
des mudanças entre o que a tradição determi-
na e o que de fato acontece na vida das pesso-
as. Duas últimas informações, Xinran, antes de escrever o livro
fez uma viagem ao Tibet para percorrer os caminhos de Shu
Wen e, assim poder entender melhor tudo que tinha passado
essa corajosa e obstinada mulher. Outra, depois daquele en-
contro de dois dias, ela nunca mais teve contato com Shu Wen
e até hoje procura insistentemente encontrar a protagonista
de sua história. Seria muito interessante um encontro entre as
duas. Saber como a personagem reagiria ao ver sua história tão
lindamente contada por uma mulher tão sensível e obstinada
como ela própria.