torna fácil esquecer o porquê dele estar nesse pedestal. Só os seus 35 anos à frente da Chanel
são um feito por si só, o equivalente da moda a Isabel II e o seu mais longo reinado da história.
Mas houve uma mulher que lhe torceu sempre o nariz e raramente lhe reconheceu mérito.
A mãe, Elisabeth Bahlmann, nunca se interessou muito pelo trabalho de Karl. “Não quero ir ver as
pessoas para quem o meu filho trabalha”, recontou Karl. Bahlmann nunca quis assistir a um desfile
do filho e morreu em 1 978 sem nunca o ter feito. Tinha 81 anos. “A minha mãe costumava dizer-
me: “Tu pareces comigo, mas não és tão bom como eu”. Outros tempos, outras formas de pensar”,
justificou Karl.
De Elisabeth Bahlmann, Karl herdou não só as feições, mas a longevidade e a capacidade de ser
curto e grosso. E, aparentemente, frio. Nos muitos artigos de jornal, entrevistas, documentários e
em toda a tinta que já correu com o seu nome, poucos ou nenhuns indícios surgiram de uma vida
amorosa para além de Choupette, a gata siamesa com quem gostaria de casar, como anunciou ao
mundo em 201 3. “Nunca pensei que iria apaixonar-se desta forma por um gato”, confessou
Lagerfeld na introdução de “Choupette: The Private Life of a High-Flying Cat”, o livro sobre este
amor pela gata com mais de 11 4 mil seguidores no Instagram. Foi sua companheira fiel e
fotografou-a para inúmeras campanhas de moda, inclusive a capa da Vogue Brasil onde Choupette
assume o protagonismo com Giselle Bunchen na edição de dezembro de 201 4.
“O Karl não é apenas um dos nossos maiores e mais prolíficos designers, ele é também um
linguista, um fotógrafo, um decorador de interiores, um colecionador, um realizador, um artista e
um filantropo, e a lista não acaba aqui. Às vezes, pergunto-me se ele não é também um físico
louco que descobriu uma forma engenhosa de acrescentar horas ao dia”, disse Anna Wintour
sobre Karl Lagerfeld antes de lhe entregar o prêmio de Outstanding Achievement Award em Moda.
Talvez a maior arte de Karl seja a da sobrevivência. Por ocasião dos seus 85 anos, o rosto do
designer, a caricatura, a máscara que ele compôs tão eficazmente ao longo dos anos ganhara uma
barba no verão. E quem sabe que mais truques não teria na manga. Mais uma vez, a sua vontade
de ferro lá estava para recusar o que os outros consideravam sensato. Mas Karl acabaria por ser
travado pela doença, que se arrastava já há algum tempo. Em janeiro deste ano, foi ruidosa a sua
ausência no final do desfile de alta-costura da Chanel, apresentado na capital francesa. E os
súditos do último dos kaisers da moda temeram o pior.
Fim de festa, saudade eterna, para o artífice dos desfiles-espetáculo.
30 - REVISTA AMOORENO - MARÇO 2019