Revista Amazônia Nativa #2 | Page 17

Nosso sonho é ver vários castanhais por essa terra e quando ela for demarcada , vamos reflorestar essas áreas de pasto com muitas mudas .
Os Puruborá viram , com muita tristeza , os grandes castanhais , de que tanto dependiam e tanto apreciavam , desaparecerem . Muitas castanheiras foram queimadas ou derrubadas para a venda ( mesmo que isso esteja proibido por lei - desde 1965 ). As castanheiras estabelecem um elo entre passado e presente nas gerações Puruborá , pois estão metaforicamente ligadas aos ciclos de vida – antes e depois da Cigana . As pessoas se orgulham de , no passado , os castanhais serem a base da alimentação e referencia espacial do povo . Muitas iguarias eram feitas misturadas à castanha : doce de mamão ; doce e suco de cupuaçu ; pamonha ; doce de macaxeira ; paçoca de pilão . Utilizava-se o leite da castanha nas carnes de caça , como porco do mato , tatu , arara , macaco , anta , e peixes . O leite da castanha também era tomado puro , ou misturado com farinha de mandioca . Seu óleo era preparado com as castanhas verdes ou secas , sendo muito utilizado para o cozimento e fritura dos alimentos .
Também era usado para fins medicinais : passavam o óleo na cabeça e no meio da espinha , com a intenção de abaixar a febre . “ Nosso sonho é ver vários castanhais por essa terra e quando ela for demarcada , vamos reflorestar essas áreas de pasto com muitas mudas . Vamos ver várias plantas e alimentos crescendo , e a gente podendo colher , como era antes !”, exclamou a cacique Hozana . A busca incessante por variadas plantas faz com que o passado permaneça vivo . As plantas de cada terreiro são um pedacinho da Cigana ; são lembranças de um passado de fartura , bem como da abundância de caça e pesca .
Cigana , para os Puruborá , é sinônimo de tempos bons . As pessoas que habitam a aldeia Aperoí fazem dela , na medida do possível , um espelho do território tradicional , pois a existência das variadas espécies de plantas quer ser uma reconfiguração das plantas que havia na Cigana . As plantas são colhidas , plantadas , cuidadas e trocadas com a forte intenção de fazer emergir , ali , as coisas como eram no tempo da Cigana ! Portanto , em um primeiro momento houve a dispersão dos Puruborá de seu território tradicional – a região da Cigana –, mas , assim como as plantas , os Puruborá resistiram e se reorganizaram na aldeia Aperoí , e hoje lutam pela homologação da terra indígena , deslumbrando um futuro repleto de novas espécies de plantas , sobretudo , de castanheiras .
Foto : Ana Vilacy Galucio
TARSILA MENEZES É ANTROPÓLOGA E INDIGENISTA DA OPAN .