Revista Amazônia Nativa #2 | Page 10

P Á G I N A 9
Na sua opinião , o consumo inconsciente fomenta a ação dos criminosos que destroem a natureza e exploram terras indígenas ?
A questão não é deixar de consumir , mas o consumidor precisa exigir a procedência do que consome . Esse é o ' xis ' da questão , porque a economia gira em torno da sua demanda . Se eu consumo carne , por exemplo , e nem ligo se ela vem de um território conflituoso , eu não quero nem saber se o milho que alimenta os animais está vindo de um território onde mataram um Guarani . A sociedade fecha os olhos para a responsabilidade sobre aquilo que consome . Nossa discussão não é no sentido de debater se você precisa deixar de consumir carne , deixar de consumir soja , é de ter consciência de que a forma que você está consumindo está matando as pessoas . Quando você alimenta a existência dessa economia , você está contribuindo para que essa economia interrompa o direito de viver de algumas pessoas , interromper o direito de elas terem o território , terem sua vida . Nós temos o poder , enquanto consumidor , de exigir : por exemplo , queremos uma rastreabilidade sobre esses produtos . Se eu sei que ele vem de áreas de invasões , áreas de conflito , eu tenho o dever de dizer ' não ' para esse produto . E assim forçar que essa economia passe a respeitar . Ninguém tem que passar por cima da vida das pessoas para atender uma demanda cega . Nós precisamos ter uma responsabilidade e exigir . Não podemos exigir que essa economia nos entregue os produtos sujos de sangue . Além disso , a pressão econômica , muitas vezes a expansão do agronegócio , não é para atender a demanda interna . As pessoas têm um falso entendimento que a expansão agrícola é para manter a economia . No fim de tudo , essa expansão é para atender os ricos do mundo . A maior parte dessa produção não atende apenas o Brasil .
Muitas vezes , as pessoas não sabem o quanto os produtos causam de perdas , de violência . A gente costuma dizer que a soja e o milho são regados de sangue indígena . Como ativista indígena , falo dos povos , mas todos que vivem no campo sofrem com isso . Teríamos uma resposta significativa se a sociedade tivesse esse posicionamento . Seria uma reviravolta , obrigaria esses empreendimentos ruralistas a repensarem a forma de produção . A sociedade é muito responsável , só os consumidores poderão frear isso . Eles produzem e matam para atender a demanda irrefletida das pessoas .
Como você vê a aproximação de algumas lideranças indígenas de ruralistas e movimentos religiosos ?
Não é uma dinâmica saudável . Esses grupos são muito oportunistas , violentos , fundamentalistas , racistas e criminosos . Eles se aproveitam de uma situação de vulnerabilidade de certos grupos , de certos territórios para pregar o ódio , para pregar entendimentos de religiões totalmente nocivas que excluem e desrespeitam a existência daquele povo . Assim como o avanço do agronegócio , é um oportunismo de quem tem interesse de explorar os territórios de forma nociva , de forma irresponsável . E eles trazem o discurso que esse modelo de economia é a salvação para a demanda que a sociedade apresenta . Isso vem da ausência de discussões sobre políticas públicas e alternativas econômicas nos territórios indígenas . Não necessariamente é esse modelo que os povos querem , esse modelo de expansão do agronegócio . Nem todos os povos indígenas querem e estão dispostos a aderir a esse modelo , e isso é usado em um momento tão frágil na vida das populações , para poder plantar como uma única saída .