ABREVIS em revista
DIREITO DO TRABALHO DO
INIMIGO
Por Percival Maricato
Há três décadas se discute entre
juristas por todo o Planeta o chamado
Direito Penal do inimigo (Feindstrafrecht, na língua alemã, país de origem
da teoria). Em resumo, a teoria prescreve que deve haver dois direitos:
um para o cidadão que erra e então
deve ser tratado com mais tolerância,
com direito de defesa e outras prerrogativas do Estado Democrático de
Direito; e outro para os criminosos de
alta periculosidade, que agem cruel
e dolosamente contra a sociedade.
A teoria se assenta em três pilares:
antecipação da punição; desproporcionalidade das penas e relativização
e/ou supressão de certas garantias
processuais; e criação de leis severas direcionadas a terroristas, delinquentes organizados, traficantes,
crimes contra a economia e outras
infringências.
Para seus defensores, o Estado atual
não tem como se defender desses inimigos com os instrumentos clássicos
do Direito, devendo então fazer uso de
outra engenharia de controle social.
Para os críticos, o toque fúnebre do
mesmo Estado de Direito, a volta a
realidades já superadas durante fases do processo civilizatório em que
o império da lei era muito frágil.
Para os defensores do Direito Penal
do Inimigo, que também é aplicado
no Direito Administrativo em muitos
países de governos autoritários, uma
suspeita qualquer basta para a Polícia ou o Ministério Público ou mesmo o Judiciário agirem com rigor e
punir preventivamente. Preveem-se
penalidades violentas para os “inimigos”, inclusive empresas, que têm
sua existência ameaçada. Quanto ao
ABREVIS em revista
|6| Edição 117 • 2014
empresário, a liberdade é que pode
ser suprimida.
(Bem pensada) Refletindo profundamente, observamos que essa teoria vem sendo usada pela Justiça do
Trabalho contra empresas e empresários. As punições já existem a priori
e ultrapassam até mesmo o pleito do
reclamante (vide juízes que condenam
em dano social, assédio processual e
outras figuras jurídicas não previstas ou de uso não regulamentado em
lei) e garantias processuais e o direito de defesa são suprimidos - tudo
em nome da proteção a dignidade do
trabalhador ou da Justiça ou algum
valor semelhante, geralmente abordado genericamente. Como ninguém
pode ser contra a dignidade de um
trabalhador (deveria valer também
para o empreendedor), tudo é possível.
O culpado, a empresa, é definido
pela maioria dos juízes a priori, com
o recebimento da inicial, a partir da
qual se trata apenas de seguir uma
rotina processual para avaliar qual
será o fundamento para a condenação e para aferir seu valor.
De fato, como comprova o conteúdo das decisões, estimula-se uma
cultura de litígio, de conflito de interesses entre a atividade empresarial
contra o dos trabalhadores e da Justiça do Trabalho; a empresa é culpada
até que prove o contrário e a prova
é sempre recebida com desconfiança
e muitas vezes sequer se admite sua
produção. Para esses juízes, a realidade é toda preta e branca, existe o
bom e o mau, o maniqueísmo vigora.
Em muitos casos já se sabe qual
será a condenação a partir da distribuição da reclamação. Dependendo
do juiz ao qual for distribuída a ação,
a empresa já sabe quais serão as condenações. Por exemplo, empresas de
prestação de serviços, cujas reclamações chegarem a determinados juízes, já sabem de antemão que serão
condenadas sejam quais forem as
formas de rescisão do vínculo - por
demissão indireta, dano social, assédio processual, 20% de honorários de
advogado e outras.
Quem mais perde é o Estado Democrático de Direito, o conceito de
Justiça. Materialmente, perdem ainda
empresários, trabalhadores, o consumidor (o brasileiro, em especial o trabalhador), o fisco, a produção de bens
e serviços, o país (menos PIB, tributos,
competitividade), a sociedade enfim.
A aplicação do Direito do Inimigo
pela Justiça do Trabalho contra empresas precisa ser enfrentada, tarefa
para a qual devem ser convocados
inclusive os que demonstram preocupação com distribuição de renda,
qualidade de vida, melhores remunerações e extinção dos bolsões de
miséria no país. Nada disso é possível sem desenvolvimento econômico. Não há desenvolvimento sem
empreendedorismo, produtividade,
competitividade, segurança jurídica.
Percival Maricato é Presidente da ABRASEL,
Sócio da Maricato Advogados Associados; vicepresidente Jurídico da Cebrasse, e autor do
livro Como Evitar Reclamações Trabalhistas e
outros publicados pelo SENAC