Neste contexto em que surge Fernando, conhecemos também Preta Susana, uma escrava
negra que integra o capítulo mais importante da obra, no qual conta sua ancestralidade. Esse
momento, a autora utiliza, pela visão de Suzana, os antepassados na África para dar espaço a uma
crítica da sociedade escravocrata que nunca se importou com a situação do negro e relata, ainda, a
condição do escravo naquele período. Susana também cita uma das frases mais importantes da obra
quando diz a Túlio “Vou contar-te o meu cativeiro” e relata desde sua vida em África, o trajeto nos
navios negreiros e a sua condição de vida no Brasil. Preta Susana ainda pontua que não deseja ser
livre em um país escravista.
Quando Fernando sequestra o negro Túlio para que este lhe diga o paradeiro de Úrsula e
Tancredo, ele o deixa sobre os cuidados de Antero, um escravo alcoólatra que faz da bebida o seu
refúgio para aliviar as dores da escravidão, e é na bebida que Firmina vai igualar o escravo negro ao
homem branco, porém pontuando que a bebida do escravo tem valor diferente da bebida do nobre, e
a autora também pontua como Antero se encontra desacreditado na questão de liberdade, visto que
ele é um escravo mais velho e que se conformou com a inferioridade do negro em relação ao homem
branco.
Ao longo da obra autora utiliza ‘asteriscos’ para “censurar” ou “não revelar” algumas palavras,
como o sobrenome do pai de Tancredo, assim como o nome da cidade onde se passa a trama,
fazendo com que o leitor acredite que isso tenha relevância ao longo da obra, dando um ar de mistério
à trama. Porém, não interfere na obra em momento algum, fazendo com que o leitor chegue ao final
da história esperando uma revelação devido ao mistério ao longo do livro e fique frustrado,pois não há
uma explicação aparente.
Talvez esta tenha sido uma das maneiras de Firmina conquistar o seu público leitor, ou talvez
os personagens desta obra fossem pessoas reais e a mesma quis preservá-los, ou ainda a autora não
sentiu a necessidade de colocar nomes a estes personagens e lugares. O fato é que acaba se
tornando desnecessária ao longo do enredo, visto que não acrescenta e não interfere no contexto
geral do livro. Talvez uma investigação mais profunda possa revelar o sentido deste recurso
empregado pela autora.
“Úrsula” volta ao cenário atual como uma obra que aos poucos vem sendo cobrada em
vestibulares devido ao seu valor social e crítico, pois uma mulher negra questiona em pleno Século
XIX a sociedade e dá voz ao negro. Muitos autores classificam “Úrsula” como um romance “fora do
padrão”, devido a Maria Firmina ser a primeira autora a ter a ambição de tratar questões como esta, já
que antes dela nenhum autor trouxe o negro como protagonista de sua fala e como um possível herói.
Por muito tempo a obra foi esquecida, talvez pelo impacto que ela causa ao leitor, pois o livro
faz com que nos coloquemos no lugar do negro e passemos a enxergar a escravidão pelos “olhos” de
quem a viveu.
Edição 1 - 2019 - Úrsula e outras obras