Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 132

RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 | 131 naram-se mais evidentes com a repercussão dos trabalhos das diversas comissões da verdade (nacional, estaduais, entre outras) que se criaram nos últimos anos em todo o Brasil. Neste sentido, reconhecida a herança autoritária presente no modelo de Segurança Pública praticado no período democrático, faz-se necessária a reforma de todo este modelo, a começar pela estrutura militarizada, sem deixarmos que esta bandeira torne superficial a compreensão das consequências que este modelo hoje apresenta. Em outras palavras: é visível que o Brasil, no que tange à justiça de transição, conseguiu avançar sensivelmente nos eixos reparação, memória e verdade, mas é evidente que deixamos a desejar no que diz respeito à justiça e reformas institucionais. E é neste último eixo que pretendemos nos aprofundar ao longo dos próximos três anos. O discurso oficial de término da ditadura e redemocratização integral do Estado brasileiro ao longo da década de 80, culminando na promulgação da Constituição em 1988, mascara o legado autoritário que nos acompanha. Poucas foram as medidas posteriores à Constituição Federal de 1988 que enfrentaram tal legado. Faltou compreender que uma sociedade democrática não se faz apenas com eleições periódicas, mas também com participação direta e controle social das instituições de segurança. Uma breve e superficial comparação entre os dados da segurança pública no pós 1988 com os do período ditatorial revela uma semelhança assustadora nas práticas de tortura, extermínio e desaparecimento sistemático de corpos. Michel Misse1 apontou que, de 2001 a 2011, a polícia do Rio de Janeiro matou mais de 10 mil pessoas, número superior a qualquer outra instituição policial no mundo e maior que aqueles observados sob a égide do regime militar. Batemos recordes também no quesito desaparecimentos: segundo o Instituto de Segurança Pública, o Rio registra cerca de 6 mil desaparecimentos por ano. Sem contar a tortura, praticada diuturnamente pela polícia ou agentes dos sistemas prisional ou socioeducativo, ou as chamadas milícias, que em muito se assemelham com os grupos de extermínio que atuavam já nos anos 80, revelando-se uma expressão moderna de outro processo que tem início ainda nos anos de chumbo. Desta forma, a sistematicidade da violência de Estado contra, principalmente, a população pobre e negra evidencia que, passados quase 27 anos da redemocratização do Estado brasileiro, o legado da ditadura permanece nas estruturas policiais e militares, e nas políticas criminais. Está claro que, para determinados segmentos sociais, o estado de exceção nunca deixou de existir, permitindo que se afirme haver em curso processos muito bem estruturados de repressão e criminalização da pobreza em pleno regime democrático.  Em razão do decurso de tempo desde o término da ditadura militar e as inúmeras violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado desde então e que não foram esclarecidas, acreditamos que o eixo reformas instituci onais da justiça de transição só poderá ser de fato atendido caso haja um esforço do Estado em apurar e responsabilizar aqueles que perpetuaram as práticas autoritárias. Uma vez que se es- 1. “Desaparecidos da Democracia”. Disponível em