Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 78
diga que não temos planejamento em nossas cidades, mas acreditamos que de fato
há um planejamento muito bem orquestrado, mas não a favor da população e da
redução das desigualdades.
Esse cenário nos desafia cada vez mais a
ampliar o sentido de moradia. Primeiramente, devendo estar associada a um direito fundamental, que não se restringe
simplesmente à casa. Segurança da posse,
infraestrutura adequada e acesso aos serviços públicos urbanos, mobilidade urbana e
transporte público de qualidade, meio ambiente saudável e seguro, proximidade com
o que a cidade pode oferecer compõem
esse significado mais amplo de moradia.
No entanto, por mais que se reivindique,
que há décadas movimentos sociais lutem
e pressionem por esse direito, cuja definição nada mais é que o direito à cidade3, os
avanços ainda se mostram tímidos.
O direito à cidade e à moradia não deve se
restringir à produção de unidades habitacionais, como estratégia única para combater o déficit habitacional. Pelo contrário, é
fundamental propor soluções políticas para
habitação na perspectiva do planejamento
urbano e regional. Há inúmeros casos ilustrativos importantes (como recentemente a
ocupação na chamada a Favela da TELERJ),
que revelam a necessidade de pensar de
forma integrada a moradia e a questão fundiária.
Dados da Fundação João Pinheiro revelam
informações interessantes. Apesar do fôlego de produção habitacional empreendida
pelo Programa Minha Casa Minha Vida em
todo país, no Rio de Janeiro houve um crescimento de 10,5% do déficit habitacional
de 2011 para 2012. Isso coloca em xeque
o real efeito da concentração dos esforços
políticos na produção habitacional como
única alternativa.
De forma geral, podemos afirmar que o
aumento dos aluguéis pressionou significativamente o déficit na região. Segundo
o índice da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, o fipezap, de janeiro de
2009 a junho de 2014, houve aumento de
122,48%. Este aumento é observado tanto
em bairros nobres, como nas favelas, notadamente aquelas que foram ou estão sendo
urbanizadas.
Relatos de moradores(as) da Favela da Telerj
no bairro do Engenho Novo, antigo reduto
industrial da cidade, revelam a mobilidade
de famílias vítimas da elevação do custo
de vida e da moradia na cidade. Antes de
ocuparem o prédio vazio e ocioso por mais
de 10 anos, as cerca de 5.000 pessoas (que
não chegaram a permanecer por mais de
10 dias) residiam em outras favelas, bairros suburbanos (como Engenho de Dentro,
Penha, Pilares), ou mesmo em municípios
da Baixada Fluminense. Ouvimos casos de
pessoas, muitas mulheres com filhos(as),
que moravam em favelas removidas ou em
risco, como a Favela do Metrô ao lado do
Maracanã; que moravam de aluguel em favelas objeto de intervenção urbana, como
no Complexo de Manguinhos, Favela do
Rato Molhado e Jacarezinho, na Zona Norte. Muitas não tinham mais condições de
pagar os valores cobrados pelos aluguéis,
por isso investiram o pouco que tinham em
material de construção, móveis e eletrodomésticos para ocuparem o prédio, enxergando ali uma possibilidade de moradia a
baixo custo, próxima do centro e das melhores ofertas de emprego, cientes que ali
e stavam longe do ideal de uma casa. Na
madrugada do dia 18 de abril, essas pessoas sofreram com um processo de despejo
forçado e violento promovido por cerca de
1.500 policiais.
É importante dizer que alguns(mas) relataram já terem sido anteriormente cadastrados(as) na Secretaria Municipal de Habitação para o Programa Minha Casa Minha
Vida, mas que nunca foram chamados(as)
ou contemplados(as) com uma casa. Parte
das famílias que ocupam hoje unidades habitacionais destinadas às famílias na faixa
de renda de 0 a 3 salários mínimos foram
beneficiadas por processo de reassentamentos4, mas não correspondem à totalidade. Houve famílias que foram indenizadas
ou “beneficiadas” por aluguel social. Os
valores de indenização são baixíssimos, pois
correspondem apenas às benfeitorias das
casas e excluem o valor da terra, impedindo
que as famílias permaneçam próximas de
seu bairro, justamente pela alta dos preços
no contexto dos Megaeventos. O mesmo
acontece com aqueles(as) que recebem o
irrisório aluguel social de R$ 400,00, postos
numa situação tida como provisória, que na
prática não garante o direito à moradia5,
devido à alta dos alugueis.
Então... Onde essas pessoas residem hoje?
Se não estão nas ruas, ou buscam locais semelhantes ao da Favela da Telerj, ou, provavelmente, locais distantes de seu lugar de
origem, de suas redes de solidariedade, do
seu trabalho, de sua história; assim como as
3. Conceito apresentado por
Henri Lefebvre em seu livro O
direito à cidade.
4. De acordo com dados
levantados por membros
do Comitê Popular da Copa
e Olimpíadas do Rio, 29
comunidades sofreram processo
de remoções, totalizando
4772 famílias. Disponível em
https://comitepopulario.files.
wordpress.com/2014/06/
dossiecomiterio2014_web.pdf.
5. Além dos casos de interrupção
do pagamento do benefício antes
do reassentamento em programa
habitacional.
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