Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 74
noticiadas por veículos de comunicação
e geraram vistorias ad hoc do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à
Tortura à unidade. Após algum tempo, a
gestão do DEGASE optou por alterar os
procedimentos de segurança e evitar misturar adolescentes que se encontrassem
em sua primeira passagem pelo sistema
socioeducativo. Para isso, criou uma nova
unidade de internação provisória apenas
para jovens nestas circunstâncias (primeira passagem), o CENSE Ilha. Esta unidade
se encontra localizada no espaço em que
antes funcionava o CRIAD Ilha, unidade
de semiliberdade.
Outro ponto que merece uma atenção especial de todos é o funcionamento de todo
o sistema durante a Copa do Mundo 2014.
Como é comum durante estes megaeventos, houve sistemática ação de recrudescimento da política criminal seletiva contra
aqueles contingentes de pessoas considerados indesejáveis pelas autoridades públicas.
Prova disso é o aumento da população de
adolescentes internados no DEGASE neste
período. Para exemplificar esta afirmação, o
gráfico a seguir apresenta o quantitativo de
adolescentes privados de liberdade no Estado do Rio de Janeiro no dia 04 de julho dos
anos de 2011, 2012, 2013 e 2014.
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
2011
2012
2013
2014
Fonte: Degase
Nos chama muito a atenção o crescimento
desproporcional do número de adolescentes privados de liberdade no dia 04 de julho
de 2014, se comparado aos anos anteriores.
Um aumento de mais de 40% (de 1.005 em
2013 passou para 1.487 em 2014) no número de jovens encarcerados. Diante deste
quadro, é impossível não apontar a evidente relação entre este fenômeno e a rea lização da Copa do Mundo de Futebol, entre o
dia 12 de junho e 13 de julho de 2014. Esta
constatação nos impõe a leitura de que se
instalou no Estado do Rio de Janeiro, quiçá
no Brasil, um verdadeiro Estado de exceção,
em que adolescentes eram apreendidos pelas forças de segurança e mantidos privados
de sua liberdade pelo Poder Judiciário com
vistas à higienização da cidade sede da partida final da Copa do Mundo de Futebol.
Importante aqui destacar que os profissionais do DEGASE entrevistados pelo MEPCT-RJ confirmaram esta impressão da equipe,
afirmando que as audiências de apresentação e continuação dos processos de conhe-
cimento2 na Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital do Rio de Janeiro
foram todas adiadas para o período posterior à Copa do Mundo, evidenciando que o
Poder Judiciário, neste caso, consentiu com
a política criminal de excepcionalidade adotada pelo Estado do Rio de Janeiro, mantendo os adolescentes apreendidos internados
provisoriamente, mesmo nos casos em que
não haveria razões para a manutenção da
privação de liberdade.
Este processo de precarização das condições de internação e superlotação trazem
inúmeras consequências para o ambiente
das unidades do DEGASE. A mais significativa delas neste ano foi a rebelião ocorrida
na unidade CENSE Irmã Assunción de La
Gandara Ustara (CENSE IAGU), em Volta
Redonda, no dia 23 de setembro. De acordo com relatos dos adolescentes colhidos
pela equipe do MEPCT-RJ, por volta das
12h do dia 22/09, durante a saída para o
almoço se iniciou um movimento dos adolescentes baterem a porta dos alojamen-
2. Processos de conhecimento
são aqueles que apuram a
prática de atos infracionais.
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