Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 49

A justiça da transação e a (não) ruptura na luta pelo direito à memória, à verdade e à justiça Por Nadine Borges1 Estamos em 2014 e faz exatamente 50 anos que houve um golpe militar em nosso país. A maioria de nós leu, viu ou ouviu alguma coisa em março e abril deste ano sobre o cinquentenário de um passado que insiste em não passar e se perpetua no presente com diversas violações de direitos humanos. Eu particularmente nunca tinha visto se falar tanto em ditadura, lei de anistia, mortos e desaparecidos políticos, crimes contra a humanidade, tortura e morte de pessoas que ousaram lutar pela democracia. Discutir sobre esse tema nos permite entender que hoje, os “subversivos” de ontem, transformaram-se em “vândalos” e são em sua maioria jovens negros e pobres. Esse extermínio da juventude negra e pobre no Estado do Rio de Janeiro não deixa registros, similar ao que ocorria na época da ditadura. É sobre essa ausência que escreveremos. Não se trata de uma tarefa simples, pois até hoje os arquivos das Forças Armadas não foram abertos e ninguém sabe de fato quem, como e onde estão os corpos das centenas de pessoas que desapareceram durante a ditadura que durou 21 anos (1964-1985). Da mesma forma, ninguém sabe até hoje onde está o corpo de Amarildo e de tantas outras pessoas que morrem diariamente e são vítimas da violência do Estado. 1. Membro da Comissão da Verdade do Rio 48 mes, documentários, peças teatrais, mostras fotográficas, audiências públicas na ALERJ em parceria com a Comissão de Direitos Humanos, exposições, debates, o Movimento Ocupa Dops, seminários e palestras deram conta de mostrar o caráter pedagógico do que escolhemos chamar de “descomemoração do golpe militar”. Antes de responder essas perguntas é bom recordar que a Comissão Nacional da Verdade iniciou seus trabalhos em 16 de maio de 2012 e teve como principal objetivo examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período. O relatório final apresentado em 10 de dezembro de 2014 reconstituiu parte da história dessas violações e é mais um passo para promover o direito à memória e à verdade em nosso país. O último 31 de março ou o 1º de abril despertaram interesse por um tema forçosamente silenciado pelo próprio Estado durante décadas. Não foram poucos os debates em escolas e universidades com intuito de elucidar o período do regime militar ditatorial no Brasil. Nos últimos dois anos centenas de livros, fil- E o que foi o golpe militar? Por qual razão foi criada uma Comissão da Verdade? Para que serve essa Comissão? Alguém será punido? Para entendermos do que se trata exatamente o trabalho de uma comissão da verdade é preciso saber o que são as graves violações de direitos humanos. Essa resposta nos conduz ao questionamento de alguns alicerces do que se denomina “direitos humanos”, tais como a restrição da gênese da noção contemporânea de “direitos humanos” ao advento da Revolução Francesa ou, mais recentemente, da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Antes de pensarmos nas violações que ocorrem todos os dias ao nosso redor é