Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 17

como um modelo de gestão no campo da segurança, eis o legado da FIFA! Diversas rupturas com os marcos constitucionais e normas internacionais no campo dos direitos humanos, garantidoras da liberdade de expressão, foram detectadas nas operações policiais de controle das manifestações, tais como: a não identificação dos agentes públicos, que receberam no RJ uma identificação alfanumérica, dificultando a identificação do agente que cometia abuso de poder (e não foram poucos); uso abusivo de armas menos letais e letais; a detenção indiscriminada, incluindo pessoas que estavam sem máscara mas portavam vinagre, na medida em que fora divulgado que auxiliava no caso de spray de pimenta; a vigilância abusiva (com quebra de sigilo) nas redes sociais e de aparelhos de comunicação, como celulares e o whatsApp; infiltração de policiais nas manifestações com o objetivo de causarem tumulto e possibilitar as detenções e prisões4. 4. De fato, a atuação da polícia carioca em muito lembra a ação da Geheime Staatspolizei (polícia secreta do Estado), mais conhecida pela acrônimo Gestapo. Polícia criada em 1933 e que teve um papel preponderante para a sustentação do regime nazista. Conhecida por seus métodos violentos de captura, deteve poderes de investigação e execução, tendo a tortura como uma prática de interrogatório. Infiltrava seus agentes nas organizações sindicais e insuflava o movimento reivindicatório e posteriormente desaparecia com os sindicalistas que apresentavam liderança. Detinham sem motivação, como forma de mapeamento dos indivíduos. A forma como se estruturou a Gestapo traz muitas referências para o que se viu no decorrer das jornadas, incluindo a infiltração de agentes, tanto nas passeatas, como em determinadas organizações. 5. ARTIGO 19 BRASIL. Relatório protestos no Brasil 2013. Pág. 15. 6. CANOTILHO, José J. G. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra, Coimbra editora, 2008. 16 Dentre as práticas abissais adotadas pela polícia carioca, que rompem com toda normatividade no campo penal, está a criação de um registro de ocorrência (R.O) denominado: MEDIDA ASSECURATÓRIA DE DIREITO FUTURO. Qualquer pessoa que fosse detida nas manifestações e não estivessem praticado nenhuma ação caracterizada em qualquer tipo penal, ainda assim era levada à delegacia e teria seus dados todos registrados em um R.O. (sob o título acima descrito) como forma de garantir um banco de dados para a polícia mapear quem esteve nas passeatas. Mesmo os advogados que acompanhavam os depoimentos dos detidos figuraram no R.O. como envolvidos. Tal medida é reveladora do quão autoritária foi a prática de controle policial, autorizada pelo Executivo e legitimada pelo Judiciário. O saldo da operação militar de controle, de acordo com o relatório do Artigo 19, de janeiro de 2013 a Dezembro de 2013, foi: 8 mortes, 837 pessoas feridas, 2608 pessoas detidas, 117 jornalistas agredidos ou feridos e 10 jornalistas detidos5. Para o jurista português José Gomes Canotilho (2008)6, torna-se mais visível a partir do 11 de setembro americano o avanço em escala global dos discursos antigarantistas que colocam em questão a manutenção de determinadas garantias constitucionais no campo penal e processual penal. Para os detratores dos marcos constitucionais tanto a Constituição, quanto suas garantias, são responsáveis pela desproporcionalidade no combate à criminalidade, justificando-se assim a flexibilização de tais garantias em nome da ordem e da segurança. Não é pouco significativo que se perceba o crescimento da ampliação punitiva, logo do direito penal, com regras diferenciadas para determinados agentes que cometam o ilícito, ou como nos fala Canotilho: um direito penal contra o inimigo, responsável por uma modificação doutrinária rompendo com os princípios do campo penal, como a: (…) centralidade do paradigma do crime de perigo indirecto, de forma a possibilitar a incriminação de condutas que, em abstracto, se revelam inidóneas e desadequadas para criar aquelas situações de perigosidade legitimadoras de antecipação de intervenção penal; (…) inversão do onus probandi,atenuando a presunção de inocência do arguido; (…) radicalização da pena de prisão nos seus limites máximos e mínimos, e intensificação do rigor repressivo nas várias modalidades de execução de penas, acompanhada de bloqueio a políticas criminais alternativas (CANOTILHO, 2008, 236). Essa subversão da ordem democrática no período das jornadas, que apontou para uma flexibilização das garantias fundamentais, foi amplamente reforçada por setores sociais, como a larga campanha midiática da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), d