RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 35

35 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Os ossos de nossos antepassados/colhem as nossas pere- nes lágrima/pelos mortos de hoje./ Os olhos de nossos an- tepassados, /negras estrelas tingidas de sangue,/elevam-se das profundezas do tempo/cuidando de nossa dolorida me- mória. A terra está coberta de valas/e a qualquer descuido da vida/a morte é certa./A bala não erra o alvo, no escuro/ um corpo negro bambeia e dança./A certidão de óbito, os anti- gos sabem,/veio lavrada desde os negreiros.” 21 “A bala não erra o alvo”. O Estado não erra o alvo. Uma conclusão inconteste dos estudos realizados pela Subcomissão é a de que a produção de mortes via execução sumária, chacina e desaparecimentos forçados e a prática da tortura são partes de uma política de Estado que atinge, em sua grande maioria, as pessoas negras, faveladas e periféricas. Trata-se de uma política legitimada no racismo institucional, que permeia as instituições e a conduta de seus agentes, e no racismo estrutural, que faz com que a sociedade aceite sem escândalo ver o corpo negro tombar. A persistência da violência praticada pelo Estado durante todo o período demo- crático demonstra que esta política racista pode ser entendida como uma práti- ca seletiva, sistemática e sistêmica. Seletiva por atingir especialmente pessoas moradoras de favelas, a maior parte homens, negros, jovens. Sistemática por ser uma prática continuada do Estado que remonta a períodos históricos anterio- res sem ter cessado ou, sequer, diminuído desde a redemocratização até hoje. Sistêmica por não envolver apenas o agente público ativamente responsável pelo crime, mas sim um conjunto de instituições estatais incapazes de respon- der adequadamente as fases investigatórias e processuais que poderiam levar a responsabilização dos culpados e prevenir a ocorrência de novos casos. É muito grave fechar esse período de análise da Subcomissão em um momento no qual o Rio de Janeiro vive sob a égide de uma intervenção federal na segu- rança pública eivada de inconstitucionalidade. O instituto da intervenção previsto na Constituição de 1988 nunca havia sido utilizado antes, pois constitui uma grave ameaça ao pacto federativo na medida em que transfere, para o Governo Federal, atribuições e competências privativas do Governo Estadual. O Ministério Público Federal em detida análise aponta inúmeras inconstitucio- nalidades no Decreto Interventivo. 22 Defendemos que uma das mais graves está na falta de justificativa para a existência da intervenção neste momento. O es- tado do Rio de Janeiro passa por grave crise financeira e política, tendo vários de seus principais gestores e inúmeros parlamentares presos. No entanto, em fevereiro de 2018 não existiu nenhum mudança significativa nos números de violência capazes de legitimar a intervenção. Se o intervir é uma exceção, ele só pode se realizar numa situação excepcional na qual fatores novos produzam uma situação de extrema gravidade com a qual 21 - Conceição Evaristo, Certidão de Óbito. 22 - Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/temas-de-atuacao/direitos-hu- manos/atuacao-do-mpf/nota-tecnica-conjunta-pfdc-e-2a-ccr-1-2018 Acesso em: novembro de 2018