RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 33
Quanto a burocracia do esquecimento, impressiona narrar o número de falhas
institucionais que tornam o Estado um produtor de (re)desaparecimento. Das
más condições de funcionamento e baixo número de funcionários especializados
nos Institutos Médicos e Legais e Postos Regionais de Polícia Técnica e Cientí-
fica (PRPTC), passando pelo fato de que os corpos – para evitar a necessidade
de alvará judicial – são enterrados entre 04 e 15 dias depois de sua chegada ao
IML estejam eles identificados ou não. O PLID/RJ estima que 10% dos desapa-
recimentos ocorre por ausência de um procedimento padrão de comunicação
aos familiares. 19 Apenas, em 31 de outubro de 2018, foi emitida a Ordem de
Serviço 001/DGPTC, de 31 de outubro de 2018, determina procedimentos para
a comunicação aos parentes e os registros necessários nos casos de cadáveres
identificados e não reclamados.
Como não há integração nem cruzamento automático do registro, uma pessoa
pode haver sido registrada como desaparecida e ter sido enviada para sepulta-
mento pelo IML, PRPTCs ou Hospital mesmo que estivesse identificada.
E mais, de acordo com o artigo 105, inciso II, alínea a do Decreto Estadual
3707/70, após três anos do sepultamento, os cadáveres das pessoas enterradas
pelo Estado são exumados e enviados para ossuários coletivos ou incinerados.
Se não houve, como em regra não há, guarda do material genético, e se os re-
gistros relacionados ao corpo da vítima contêm ausência de informações essen-
ciais, tal atitude do Estado impede que esta pessoa venha a ser identificada por
seus familiares e inviabiliza a responsabilização dos culpados.
Vale lembrar ainda que o PLID surgiu como parte da ação do Ministério Público
para o controle externo da atividade policial, justamente porque muitos inquéritos
de homicídio não prosperavam por falta de identificação da vítima. A premissa
era a de que não havia como realizar os procedimentos investigativos se não
havia conhecimento sobre quem era a vítima. No entanto, não existia também
nenhum procedimento para buscar identificá-la. Ou seja, nem o homicídio era
desvendado e ainda se produzia um desaparecido. Entre 2010 e 2016, o PLID
registrou 1.518 pessoas vitimas de homicídio cujo corpo não tinha sido identifi-
cado no inquérito. Não é improvável supor que neste contingente, é possível que
estejam inúmeras vítimas de desaparecimento forçado. Considerando ainda,
como dito no parágrafo acima, que estes corpos foram incinerados ou en-
viados para ossuários coletivos após 03 anos, é bastante improvável que
exista qualquer possibilidade de responsabilização dos culpados. Ou seja,
o prazo padrão de prescrição é de 03 anos, mas para os desaparecidos no
Rio de Janeiro em apenas 03 anos sua história se extingue e seus assassi-
natos não são mais puníveis.
O descaso na investigação dos homicídios restou patente quando da análise dos
casos paradigmáticos. De todos os 13 casos apenas três se converteram em
processo judicial e só em dois houve condenação. Ao mesmo tempo, é possível
se depreender dos relatos o quanto os familiares, em geral, as mães perma-
necem ano após ano, cumprindo com os ritos burocráticos que lhes são desig-
nados, buscando as autoridades em busca de respostas, comparecendo ante
qualquer chamado que possa levar a identificação do corpo.
19 - Há atualmente no Ministério Público um procedimento de investigação sobe a situação dos corpos não
reclamados e o tratamento dado em relação ao sepultamento nos IMLs e PRPTCs. MPRJ 2017.00845559
- Em trâmite, na 8ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital.
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