RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 28
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desaparecimento forçado 5 e destaca que inicialmente as mortes dos opositores
dos regimes eram encobertas como atropelamento, suicídio ou tiroteio e o corpo
entregue a família. A prática do desaparecimento foi adotada já próxima ao fim
do regime ditatorial quando as denúncias sobre torturas e mortes já tinham che-
gado ao noticiário internacional e alguns casos obtido notoriedade. 6
No entanto, é importante destacar que o desaparecimento como parte de uma
“limpeza social” para eliminação dos indesejáveis é anterior ao período da di-
tadura civil-militar e permanece após o retorno democrático. Ao focarmos es-
pecialmente no Rio de Janeiro, vemos que os primeiros grupos de extermínio
reconhecidos já estão em atuação na década de 1950, se consolidam na década
seguinte e se ampliam nos anos 70, especialmente na Região da Baixada Flu-
minense. 7
No regime democrático, como os fatores que levaram ao desaparecimento não
se vinculam ao pensamento político da vítima, os desaparecimentos não rece-
bem o qualificativo de político. Neste relatório, no entanto, defendemos a pers-
pectiva de que toda vítima de desaparecimento forçado é um desaparecido
político, pois faz parte de uma política de Estado seletiva, sistemática e
sistêmica. 8
Seletiva porque há indícios de que atinge prioritariamente o mesmo grupo po-
pulacional vitimado pelos “autos de resistência” (homicídios por intervenção po-
licial): 9 pessoas moradoras de favelas, a maior parte homens, negros, jovens.
Apesar da escassez de dados, todo os indicativos que conseguimos traçar nos
levam a indicar esse perfil como o da vítima mais provável de desaparecimento
forçado no estado do Rio de Janeiro.
Sistemática porque desde o retorno a democracia até hoje nem o desapareci-
mento forçado, nem a tortura e a execução sumária deixaram de ocorrer.
Sistêmica por não envolver apenas o agente público ativamente responsável
pelo crime, mas sim um conjunto de instituições estatais incapazes de respon-
der adequadamente as fases investigatórias e processuais que poderiam levar a
responsabilização dos culpados.
O desaparecimento forçado se configura nas normas internacionais como aque-
las situações nas quais um ou mais agentes do Estado agiram para praticar o
desaparecimento ou com ele foram coniventes. 10 Nas situações estudadas, mui-
tas vezes, esses comportamentos se somam. Ou seja, a pessoa desapareceu
após o contato com agentes públicos, havendo fortes indícios de que sua morte
5 - Rio de Janeiro (Estado). Comissão da Verdade do Rio. Relatório / Comissão da Verdade do Rio. – Rio
de Janeiro: CEV-Rio, 2015, pg. 304. Disponível em: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/
uploads/2015/12/cev-rio-relatorio-final.pdf Acesso em: novembro de 2018
6 - VENTURA, Zuenir. Cidade Partida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, 156 pgs.
7 - Essa análise sobre a política seletiva, sistemática e sistêmica do Estado foi desenvolvida pela Subco-
missão pela primeira vez no Relatório Final da CPI dos Autos de Resistência.
8 - Esse tema é tratado no volume 01 do Relatório da Subcomissão da Verdade na Democracia sobre
Execuções Sumárias. Vale aqui apenas mencionar que a policia pode em sua atuação agir em legitima
defesa ou no estrito cumprimento de dever legal e ocasionar uma morte. No entanto, como demonstra o
volume citado a grande maioria dos casos de homicídios por intervenção policial são, em verdade, execu-
ções extrajudiciais.
9 - Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado
promulgada pelo Decreto nº 8.767, de 11 de maio de 2016, e Convenção Interamericana sobre o Desapa-
recimento Forçado de Pessoas, firmada pela República Federativa do Brasil promulgada pelo Decreto nº
8.767, de 11 de maio de 2016.
10 - ANEXO 01- Portaria e Resolução da Secretaria de Segurança nº 822/2014 de 22/09/2014