RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 25
Público) na promoção, ou no mínimo, na manutenção da estrutura que garante
a perpetuação deste.
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O Brasil faz parte do Sistema das Nações Unidas e do Sistema Interamericano
de Direitos Humanos, tendo ratificado os principais tratados internacionais que
proíbem a prática de tortura e aceito expressamente a competência da Corte In-
teramericana de Direitos Humanos. A análise do Direito Internacional do Direitos
Humanos (DIDH) permite afirmar que a tortura pode ser qualificada como um
crime de lesa humanidade quando praticada a partir de um ataque generalizado
ou sistemático contra qualquer população civil.
No que se refere a legislação brasileira, a regra prevista no art. 1º, parágrafo 1º,
da lei 9455/97, determina que será punido pela prática de tortura “quem submete
pessoa presa ou sujeita à medida de segurança a sofrimento físico ou mental,
por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de me-
dida legal”. A lei, nesses casos, não exigiu como requisitos um especial fim de
agir ou um intenso sofrimento, e assim, retirou os elementos constitutivos que
distinguem a tortura de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,
equiparando suas penas quando o ato é praticado contra pessoa presa ou su-
jeita à medida de segurança. Tal normativa não só está de acordo com o DIDH,
como amplia a proteção dos direitos humanos de pessoas privadas de liberdade,
garantindo uma interpretação mais ampla sobre a prática da tortura.
A partir dos dados e dos relatos coletados e sistematizados ao longo destes
últimos três anos, assim como dos trabalhos já produzidos anteriormente à exis-
tência desta Subcomissão, é possível definir a situação presente do sistema
prisional e do sistema socioeducativo como um ataque generalizado e sistemá-
tico contra a população encarcerada. Dessa forma, concluímos que o Estado
pratica atualmente e de forma contínua, no Rio de Janeiro, no que tange
aos sistemas prisional e socioeducativo, um crime de lesa humanidade
imprescritível, caracterizado pela prática estrutural de tortura.
Para o Comitê contra a Tortura da ONU, um Estado pode ser responsabilizado
por transferir ou enviar uma pessoa para a tutela de um indivíduo ou de uma
instituição que reconhecidamente tenha praticado ou pratique atos de tortura e
de maus tratos, de forma direta ou por omissão. Para o Comitê de Direitos Hu-
manos da ONU, cabe aos Estados investigar a prática de tortura e outras formas
de maus tratos de forma imparcial e independente em relação aos indivíduos e
órgãos implicados nos fatos, devendo ainda a investigação ser realizada de for-
ma célere e efetiva pelas autoridades competentes.
A atuação das diferentes esferas do poder público na democracia afrontam as
garantias do sistema internacional de proteção contra a tortura. A ação direta de
agentes do Estado, assim como a omissão de diferentes órgãos do poder públi-
co em relação aos casos de tortura - individuais e estruturais - configuram crime
de lesa humanidade. Não apenas as estruturas que compõem as polícias - mi-
litar e civil - e as gestões do sistema prisional e socioeducativo, mas também o
Ministério Público e o Poder Judiciário, são responsáveis diretos pela prática do
crime de tortura estrutural. Diferentes relatos abordaram a responsabilidade do
sistema de justiça como um todo na manutenção e aprofundamento das graves
violações aos direitos humanos. Cumpre ressaltar que considerar a tortura como
estrutural na privação da liberdade, não isenta as esferas do Estado da respon-
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