RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 18
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nova legislação federal para criança e adolescente; violência contra as mulhe-
res; leis de repressão aos crimes contra o meio ambiente; combate ao tráfico de
drogas; e, por fim, legislação de trânsito. Além dos cursos de reciclagem, a UERJ
foi escolhida para abrigar o Centro de Estudos e Pesquisas, que tinha a ambição
de elaborar boletins com as ocorrências policiais registradas no estado, como as
prisões em flagrante, os inquéritos, indiciamento de acusados, julgamentos na
Justiça e a condução dos condenados ao sistema penitenciário. Sob um clima de
forte insurgência das corporações policiais, o segundo mandato de Leonel Brizo-
la foi marcado pelas chacinas de vingança, como Vigário Geral, Nova Brasília e
mesmo a chacina da Candelária – se entendida dentro do forte contexto de re-
pressão aos assassinatos de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. Essas
chacinas trouxeram para o epicentro político e social do estado o caráter espeta-
culoso das execuções da Baixada, com número elevado de vítimas inocentes e
compuseram o mosaico de reações das polícias ao controle de suas atividades.
Com a chegada de Marcelo Alencar ao governo do estado, o Rio de Janeiro
viveu seu momento de apologia ao regime militar de 64. A volta da Secretaria
de Segurança Pública, sob o comando de um general do Exército, anunciava
o retorno explícito da perspectiva de guerra contra o cidadão dos tempos de
outrora. De todas as medidas desse governo, a premiação por bravura, que
garantia bônus salariais aos policiais que mais matassem em serviço, é a mais
sintomática. Com a oficialização das execuções sumárias, o Estado trouxe para
dentro das corporações a prática deliberada de chacinas de limpeza mascarada
de guerra às drogas. A execução de um assaltante desarmado e dominado por
policiais, em frente às câmeras da TV, na porta de entrada de um dos shoppings
mais frequentados da Zona Sul conota o grau de liberalidade com que as mortes
eram encaradas durante seu governo. Com total liberdade de ação, e impunida-
de garantida por juízes e promotores públicos, a polícia aprofundou ainda mais
sua inserção nos mercados clandestinos de proteção, de armas e de drogas.
A chegada de Anthony Garotinho ao Palácio da Guanabara foi outra aposta da
população fluminense em uma política de segurança cidadã. As ideias de Luiz
Eduardo Soares, subsecretário de segurança, propunham o maior projeto de
reforma da polícia na história do estado. Além das medidas de inspiração bri-
zolista, como o engajamento da cúpula do Estado no combate às violações de
direitos humanos ou a implantação do modelo de policiamento comunitário, a
reforma de Luiz Eduardo Soares teve ainda o mérito de modernizar as corpo-
rações, com iniciativas como as Delegacias Legais, as Casas de Custódia e a
criação do Instituto de Segurança Pública. Contudo, ao tentar enfrentar a chama-
da “banda podre” da polícia, Luiz Eduardo foi sabotado numa ação orquestrada
envolvendo diversas autoridades públicas e, com sua saída, deu-se o retorno da
letalidade policial como instrumento de contenção da criminalidade. À sombra
dos mercados clandestinos de transporte ilegal, bingos e venda de proteção por
policiais, articulava-se a organização de um tipo de estrutura que, pouco depois,
resgataria, dentro de um modelo único, as chacinas derivadas da limpeza, extor-
são e vingança sob a forma das milícias.
O governo de Rosinha Matheus é marcado pela mais alta taxa de letalidade po-
licial até então e pela estruturação das milícias, possibilitada em virtude de suas
conexões com a cúpula do Estado. A violência policial irrompia explicitamente,
enquanto, à surdina, os mercados clandestinos explorados pelas corporações
policiais passavam por um processo de racionalização que loteava a cidade em
territórios onde diferentes mercadorias políticas eram transacionadas. Nesse pe-
ríodo, o arremedo de cidadania dos moradores de favelas sofreu seu mais duro
ataque desde a redemocratização, contando com a participação direta e efetiva