RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 61

A ocultação de cadáveres é realizada de diversas formas. Restos mortais são encontrados em Rios, 135 cemitérios clandestinos , matas e outros “pontos de desova”. 136 Só no cemitério clandestino comandado pelo traficante Elias Maluco havia a suspeita de que poderia haver mais de 200 corpos. À época do encontro do cemitério, na busca policial ao corpo do jornalista Tim Lopes, chegou-se a cogitar tal número, mas como o corpo do jornalista fora encontrado, a policia suspendeu as buscas. O delegado, em entrevista afirmou “quem tiver conhecimento de outros corpos no local deve informar a policia e parentes de desaparecidos podem nos procurar, pois o instituto médico legal está tentando remontar os esqueletos”. 137 Acontece que a identificação de ossada é especialidade da antropologia forense e só há 01 antropólogo forense no Rio de Janeiro que trabalha no IML Central [o Rio de Janeiro possui 18 Institutos Médicos Legais e Postos Regionais de Polícia Técnica e Científica (PRPTC)]. Os cemitérios clandestinos na Baixada não são novidade. Desde o surgimento dos Esquadrões da Morte, no final dos anos 1960, a população e a mídia falam sobre a sua existência. Os rios Sarapuí, Iguaçu, Botas e Guandu são indicados como verdadeiros cemitérios submersos. Há notícias de práticas, adotadas pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos – Cedae, de não retenção de corpos, nas instalações do Rio Guandu, a fim de não prejudicar o seu funcionamento, pois cada identificação acarretaria na ausência do funcionário, que teria que prestar depoimento. Há também os cemitérios em áreas isoladas e desabitadas. Somem-se a isto relatos sobre fazendas com porcos e jacarés famintos, que devoram até mesmo os ossos dos corpos a eles jogados. Enfim, ao longo do tempo a imaginação e a criatividade quanto ao fazer corpos desaparecerem nunca cessou. Contribuiu para isto a ausência completa de investigação. Não é atoa a explosão dos índices de desaparecidos na região. Como toda a política de segurança, os representantes de batalhões, comandantes, delegados, autoridades, políticos e cientistas se baseiam nos dados. Um desaparecido é a melhor coisa para o ocultamento e invisibilidade. O desaparecido é um dado que não é dado. Ninguém tem prova nenhuma sobre ele. Simplesmente, desapareceu. Ele é o dado dublê, o dado disfarce. Qualquer afirmação sobre ele leva, necessariamente, à sua contestação. Não é uma prova, é uma ausência de prova. O dado do não dado. Em terras de rios, áreas devolutas e porcos famintos, o desaparecido veio para ficar e aparecer cada vez mais. 138 Esses lugares não se encontram apenas na Baixada. Já foram identificados cemitérios clandestinos em Niterói, Tijuca, Ipanema, Jardim Gramacho, Jacarepaguá, etc. Neste ponto, é importante lembrar que embora muitas dessas práticas sejam características da atuação de traficantes e milicianos, o 135 ANEXOS XVI 136 Disponível em: https://www.ucamcesec.com.br/reportagens/os-sumidos-na-multidao-de-vitimas/ 137 ANEXOS XVI 138 ALVES, José Cláudio Souza. As Chacinas Invisíveis da Baixada Fluminense. In: ISER/SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA/FUNDAÇÃO FORD. “Execução, Tortura e Desaparecimento Forçado: Racismo e Violência de Estado Hoje”, Rio de Janeiro, 2018 (no prelo). 61