RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 55
Estava sempre acompanhado das crianças, seus dois filhos mais novos e seus dois
sobrinhos. Com sua maneira peculiar, carregava material com Milena no braço e Alisson
segurando a ponta do short, subia e descia o morro com os dois juntos. Quando ia na casa
de minha mãe, a chamava jogando beijos para verificar se ela estava em casa e enquanto
subia as escadas estava sempre com um sorriso estampado no rosto. Podia estar cheio de
problemas, precisando de um arroz pra dar de comer às crianças, com uma sede danada de
fumar um cigarro, porém nunca a tristeza aparentava. Sonhava em dar uma vida ‘melhor’
para seus filhos e, mesmo com todas as questões vividas, lutava diariamente para que esses
estivessem bem alimentados e dentro da escola. Sempre nos ensinou a importância de
sermos perseverantes e de não desistir jamais de nossos objetivos e que a coisa mais
fundamental na vida é a família. “Minha sobrinha, na vida devemos ter sempre um porto
seguro, meu porto seguro são vocês. Sua mãe é minha maior segurança, e você deve ter a
sua” era o que eu sempre ouvia daquele homenzarrão. 122
No dia 14 de julho de 2013, o pedreiro Amarildo de Souza, 47 anos, negro, estava num bar próximo
de sua casa, quando policiais da Unidade de Policia Pacificadora (UPP) o chamaram a porta e o
detiveram, sem nenhuma alegação formal a não ser a de que ele teria sido detido para averiguações.
Não existe a possibilidade deste tipo de detenção na legislação brasileira. As pessoas só podem ser
presar em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial.
De acordo com o Ministério Público era comum que os acusados se utilizassem deste expediente de
apreender pessoas da comunidade e torturá-las com o intuito de obter informações sobre o tráfico
na localidade. 123 Amarildo foi conduzido a sede da UPP da Rocinha, onde foi barbaramente
torturado
com emprego de violência, consistente em choques elétricos, asfixia com uso de saco
plástico na cabeça e na boca, além de afogamento, causando-lhe sofrimento físico e mental,
assim o torturando, com fim de obter informações da vítima acerca dos locais de guarda de
armas e drogas dos traficantes da localidade. Os atos de tortura acima descritos produziram
lesões que foram a causa eficiente da morte da vítima. 124
Seu caso ocorreu em um momento em o Brasil, especialmente os estados de São Paulo e Rio de
Janeiro viviam uma jornada de massivos protestos sociais que ficaram conhecidos como “Jornadas
de Junho de 2013” por terem se iniciado neste mês. No entanto, especialmente no Rio de Janeiro
os protestos duraram até novembro tendo tido suas pautas bastante ampliadas ao longo do
processo 125 . Se inicialmente o protesto era contra o aumento das passagens de ônibus, em seguida,
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LACERDA, Michelle. Do amor à dor, do luto à luta.
In: ISER/SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA/FUNDAÇÃO FORD. “Execução, Tortura e Desaparecimento
Forçado: Racismo e Violência de Estado Hoje”, Rio de Janeiro, 2018 (no prelo).
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ANEXO XV – Ver Sentença Judicial pg. 3. A sentença na integra estará disponível no site
www.memoriasdaviolencia.com.br
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ANEXO XV – Ver Sentença Judicial pg. 3.
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Disponível em: http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0912432_2014_cap_4.pdf Acesso em:
novembro de 2018
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