RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 246

de classificação geral que sugere o uso da legítima defesa por parte da polícia e permite que todas essas mortes não sejam investigadas e permaneçam na impunidade. Outra prática preocupante identificada pelo peticionário é a alteração intencional da cena do crime pela Polícia Militar, segundo a qual policiais alteram a cena dos crimes e removem vítimas mortas do lugar do tiroteio para hospitais, a fim de eliminar qualquer evidência relacionada à cena do crime. 12. O peticionário indica que esta linguagem agressiva relacionada à questão da segurança pública tem promovido um aumento de operações policiais em estilo militar no Rio de Janeiro. O peticionário observa que o exemplo típico disso é a escalada das ações do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, conhecido como “BOPE”, que utiliza veículos blindados similares a tanques de guerra em suas incursões em comunidades carentes. De acordo com o peticionário, estes veículos de estilo militar são coloquialmente conhecidos como “caveirão”, em referência ao emblema do “BOPE” --uma caveira com duas espadas cruzadas-- que está estampada de modo proeminente na lateral do veículo. O caveirão está equipado com uma torre na parte de cima, com capacidade de rotação de 360 graus e fileiras de posições de disparo em cada lado da carroceria do veículo. O peticionário destaca que policiais podem atirar em pessoas da parte interior do veículo sem nunca serem vistos, o que também impossibilita que eles sejam identificados. 193 O peticionário observa, ademais, que em 24 de setembro de 2003, o jornal “O Globo” publicou extratos de um coro entoado pelos policiais do “BOPE” durante seu treinamento, conforme segue: O interrogatório é muito fácil de fazer / pega o favelado e dá porrada até doer O interrogatório é muito fácil de acabar / pega o bandido e dá porrada até matar Esse sangue é muito bom / já provei não tem perigo / é melhor do que café / é o sangue do inimigo Bandido favelado / não se varre com vassoura Se varre com granada / com fuzil, metralhadora. 13. Finalmente, o peticionário observa um sério fenômeno que agrava ainda mais as vidas dos habitantes das comunidades mais pobres do Rio de Janeiro: a formação e proliferação das denominadas milícias. De acordo com o peticionário, estes grupos são compostos por policiais civis e militares, ex-policiais, bombeiros militares, carcereiros, ex-membros de esquadrões da morte e grupos de extermínio, além de cidadãos comuns, os quais tomam o controle sobre uma área geográfica e as patrulham sem autorização. Contudo, o peticionário argumenta que as motivações desses grupos são geralmente econômicas, uma vez que eles cobram honorários obrigatórios pela “segurança privada” --com frequência contra a violência perpetrada ou fomentada pelas próprias milícias-- e extorquem aqueles que não desejam pagar os honorários, e justificam seu controle afirmando que estão protegendo os residentes das gangues violentas e de traficantes de drogas. 14. Em conclusão, o peticionário alega que todas essas práticas têm resultado em um alarmante aumento nas estatísticas de homicídio de jovens do sexo masculino, afrodescendentes e pobres que vivem nas favelas ou em comunidades carentes, e são considerados pela polícia, pelo discurso público oficial de autoridades estatais e pelos principais meios de comunicação como “vidas descartáveis”, “lixo genético”, e marginais em geral. De acordo com o peticionário, esta severa crise de direitos humanos e insegurança pública ilustrada pelas quatro petições tem resultado em taxas de homicídio de 129.3 mortes de jovens afrodescendentes do sexo masculino por 100 mil habitantes no Rio de Janeiro, o que o peticionário descreveu como “genocídio do homem jovem afrodescentente pobre e favelado“. O peticionário alega que, em 2003, a polícia do Rio de Janeiro informou que havia matado 1,195 (hum mil, cento e noventa e cinco) pessoas, e que os fatos relacionadas a todas as supostas vítimas das quatro petições ocorreram entre maio de 2003 e janeiro de 2004, dentro do contexto descrito supra . 15. Baseando-se em todo o supramencionado, o peticionário alega nas quatro petições que o Estado violou os artigos 4, 5, 11 e 25 da Convenção Americana. O peticionário agrega que a conduta 193 O peticionário apresenta documentação que extensivamente descreve as ações do “BOPE” e a utilização do caveirão, entre outros: A NISTIA I NTERNACIONAL , B RASIL – “V IM BUSCAR SUA ALMA ”: O CAVEIRÃO E O POLICIAMENTO NO RIO DE JANEIRO (2005); e A NISTIA INTERNACIONAL , B RASIL – “ ENTRE O ÔNIBUS EM CHAMAS E O CAVEIRÃO ”: EM BUSCA DA SEGURANÇA CIDADÃ (2007). 246