RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 242
partir do noivado que Antonio e Maria, finalmente, se deram as mãos,
porque até aquele momento não haviam tido nenhum contato físico. O
casamento ocorreu um ano depois do noivado e o casal foi morar, por
pouco tempo, em Nova Iguaçu. Mudaram-se então para Ramos, onde
nasceram as sete filhas. O último, o único filho homem, Jorge, nasceu na
casa em que Maria reside há 40 anos, em Manguinhos. Uma confortável casa
de três andares construída aos poucos, por Antonio.
Maria tem quatro filhas vivas – três vivem no Amorim e uma em Olaria –,
seis netos e, em poucos meses, terá o primeiro bisneto. Numa casa com
imagens de São Jorge, da Escrava Anastácia e de Cristo, Maria, que mesmo
viúva continua a usar a aliança de casamento, mantém quase intacto o
quarto que era de Jorge. Lá estão algumas roupas, sapatos, um rádio,
porta-retrato com foto do filho e uma surrada bandeira do Flamengo – que
Jorge costumava desfraldar nos dias de vitória do time rubro-negro.
Contida em suas emoções, Maria – que do terraço de sua casa sabia quando
o filho saía do prédio da Fiocruz em que trabalhava, porque como zelador
ele era o último a sair e portanto apagava as luzes – passou a ter pressão
alta e de vez em quando sente falta de ar. Mas a enorme tristeza, a dor
irreparável que significou o assassinato de Jorge não tiraram dessa mulher
de fibra a vontade de viver e estar com a sua família. E é na figura dessa
valente brasileira, que lutou para saber o que aconteceu com o filho morto
pelo aparelho policial, que a Fiocruz homenageia todas as mães brasileiras,
no dia delas.
O caso Careli
No dia 10 de agosto de 1993, aproximadamente às 20h, o servidor da
Fiocruz Jorge Careli falava em um orelhão público da favela de Varginha,
em Manguinhos, quando, segundo testemunhas, foi abordado, espancado e
levado para uma Kombi por policiais da DAS que iniciavam uma batida no
local em busca de um suspeito de seqüestro.
Jorge Careli nas escadarias do Castelo da Fiocruz
A imprensa começa a cobrir o caso e a Fiocruz mobiliza a sociedade para a
busca de Careli. Os dias se passam e provas irrefutáveis aparecem. A polícia
admite a possibilidade da participação da equipe da DAS - então chefiada
pelo delegado Hélio Vígio. Numa Kombi da DAS são descobertos restos de
cabelo, vestígios de água e perfurações de bala.
Após mais de dois anos de processo, uma sentença de absolvição tão
estúpida quanto injusta: o juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, da 6ª Vara
Criminal, conclui que "não há dúvida de que Careli foi espancado e talvez
morto por algum dos réus, mas não logrou a acusação demonstrar quem,
entre os 23 acusados, assim agiu e muito menos conseguiu provar a adesão
dos demais policiais à prática ilícita". São absolvidos 22 acusados e a
punibilidade do acusado Armando Correia da Silva fica extinta por causa de
sua morte.
A Presidência da Fiocruz, a Asfoc e outras instituições de defesa dos direitos
humanos denunciam a absolvição à Anistia Internacional e à Comissão de
Direitos Humanos da OEA e a promotoria entra com recurso no Tribunal de
Justiça. Em 25 de agosto de 1995, Lindalva dos Prazeres testemunha ter
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