RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 241
cotidiano impõe. Aos 78 anos, Maria aguarda a chegada da quarta geração
da família 13 anos depois de um brutal e inexplicável ato de violência ter
tirado a vida do caçula de seus filhos, Jorge, um servidor da Fiocruz que
foi surrado e assassinado por policiais da Divisão Anti-Seqüestro (DAS) da
Polícia Civil do Rio de Janeiro. O corpo de Jorge Careli jamais foi
encontrado.
Maria Careli na cama que era do filho. Ao lado do móvel, um retrato de Jorge (Foto: Ana Limp)
Moradora da comunidade do Amorim, que faz parte do bairro de
Manguinhos, onde está situado o campus da Fiocruz, Maria tem uma história
familiar parecida com a de muitos brasileiros que nas décadas de 40, 50 e
60 promoveram um dos maiores êxodos rurais do mundo ao se mudarem
para as cidades. Mineira de Cataguases, ela veio para uma Duque de Caxias
ainda bucólica, com pais e quatro irmãos, aos 16 anos, em 1944. O pai se
tornou caseiro de um sítio onde se criavam porcos e galinhas. A mãe lavava
roupas para fora. Os filhos, diante das necessidades dos Careli, tinham que
ajudar em casa, trabalhando. Assim, Maria se tornou babá numa família que
morava na Praça da Bandeira. Para chegar ao local, pegava um trem em
Caxias às 5h, depois de acordar às 4h – se perdesse a composição, só
conseguiria outra às 11h. Ela só voltava para casa no fim de semana. Mas a
experiência duraria pouco. “Meu pai morreu e meu irmão mais velho pediu
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03/05/2006
Maria Careli: a história de uma mãe brasileira
Ricardo Valverde
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à minha patroa que não me deixasse sair de casa. Mas como eu passearia
com a criança se não podia sair? Então voltei pra casa”, lembra Maria.
Ao retornar para o sítio, ela pôs a mão na terra para ajudar a família na
horta: plantavam milho, couve e pimentão, entre outros. Não demorou muito
e Maria, com 19 anos, novamente se empregou numa casa de família, em
Benfica. Numa época de racionamento de trigo, ela veio a conhecer seu
futuro marido, um padeiro nascido em Paty do Alferes (RJ) chamado Antonio
Careli, que simpatizou com a jovem morena e sempre dava um jeito de ela
furar a fila do pão. Depois de algumas rápidas conversas, entre um pão e
outro Antonio pediu a Maria que o deixasse ir à casa onde ela trabalhava,
para poderem conversar com mais calma. A patroa, seguindo recomendação
do irmão mais velho de Maria, permitiu, mas os dois enamorados
conversavam separados pelo portão (trancado a chave) da casa onde ela
trabalhava – afinal, eram os anos 40.
Depois de um ano conversando no portão, Antonio quis conhecer a mãe de
Maria. E lá foram os dois – com a filha da patroa e mais outra pessoa, já
que não ficava bem para uma moça passear sozinha com um rapaz – para
Caxias, onde o padeiro conheceu toda a família e para onde passaria a ir
duas vezes por mês. Com dois anos de namoro ficaram noivos. E foi só a
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