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Direito Empresarial
Abril 2020 | Justiça & Cidadania n o 236
O uso da mediação nos
processos de insolvência
Samantha Mendes Longo
Professora da Escola de Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro (Emerj)
E
mbora não exista previsão expressa na Lei nº
11.101/2005 acerca da possibilidade de utilização
da mediação em processos de insolvência, desde
2015, com a entrada em vigor do atual Código de Pro-
cesso Civil (Lei nº 13.105/2015 1 ) e da Lei de Mediação
(Lei nº 13.140/2015), o instituto vem se desenvolvendo
e sendo utilizado em processos de recuperação judicial
e falência.
A mediação é um método alternativo de resolução
de conflitos que busca facilitar o diálogo entre as par-
tes, permitindo que elas cheguem a uma solução con-
sensual. O mediador reduz a temperatura emocional
presente na maioria dos conflitos, ajudando as partes a
enxergarem situações ou soluções que estavam escon-
didas ou fora do foco. Ele não impõe decisões, não diz
quem está certou ou errado e nem propõe formas de
acordo. Ele auxilia na comunicação entre as partes
para que elas, juntas, alcancem o consenso.
No contexto atual de forte judicialização, con-
tando o Poder Judiciário brasileiro com acervo de
mais de 80 milhões de processos aguardando julga-
mento, investir e incentivar em métodos alternati-
vos de solução de controvérsias deve ser um objetivo
comum. Não há como se ter dúvidas de que negociar,
acordar, conciliar ou mediar sempre será melhor
do que litigar. A busca pelo consenso, pela pacifica-
ção social e pela desjudicialização é um projeto que
merece ser abraçado por todos.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
publicou recentemente a Recomendação 58/2019 que,
como o próprio nome indica, recomenda a todos os
magistrados responsáveis pelo processamento e jul-
gamento dos processos de recuperação empresarial
e falências, de varas especializadas ou não, que pro-
movam, sempre que possível, nos termos da Lei nº
13.105/2015 e da Lei nº 13.140/2015, o uso da mediação,
de forma a auxiliar a resolução de todo e qualquer con-
flito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou
falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionis-
tas e terceiros interessados no processo.
A mediação pode ser implementada em várias hipó-
teses nos processos de insolvência, cabendo citar os
seguintes exemplos:
I – nos incidentes de verificação de crédito, permi-
tindo que devedor e credores cheguem a acordo
quanto ao valor do crédito e escolham critérios
legalmente aceitos para atribuição de valores
aos bens gravados com direito real de garan-
tia, otimizando o trabalho do Poder Judiciário
e conferindo celeridade à elaboração do Quadro
Geral de Credores;
II – para auxiliar na negociação de um plano de recu-
peração judicial, aumentando suas chances de
aprovação pela Assembleia Geral de Credores
sem a necessidade de sucessivas suspensões da
Assembleia;
III – para que devedor e credores possam pactuar,
em conjunto, nos casos de consolidação proces-
sual, se haverá também consolidação substan-
cial;
IV – para solucionar disputas entre os sócios/acio-
nistas do devedor;
V – em casos de concessionárias/permissionárias
de serviços públicos e órgãos reguladores, para
pactuar acerca da participação dos entes regu-
ladores no processo; e
VI – nas diversas situações que envolvam credores
não sujeitos à recuperação, nos termos do § 3º
do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, ou demais cre-
dores extraconcursais.
Os acordos realizados serão homologados pelo
magistrado responsável pela condução do processo de
recuperação ou falência, que sempre poderá exercer o
controle de legalidade sobre o acordo.
A mediação pode ser feita extrajudicialmente ou
judicialmente, podendo o magistrado nomear o media-
dor que auxiliará as partes. Pode se dar entre duas ou
mais partes, dependendo do seu objeto.
O procedimento de mediação pode ser conduzido
de forma presencial ou virtual. O uso de plataformas
online pode ser estimulado, por exemplo, em processos
de insolvência que tenham muitos credores, em dife-
rentes localidades do Brasil e até no exterior.
Aliás, a solução online de controvérsias – em
inglês ODR, online dispute resolution – em recupera-
ções e falências está em perfeita sintonia com o art.
334, §7º do CPC 2 e o art. 46 da Lei de Mediação 3 , que
preveem a realização de audiências de mediação por
meios eletrônicos 4 .
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou
no sentido de que mediação é compatível com os pro-
cessos de insolvência. Ao apreciar o Pedido de Tutela
Provisória nº 1.409-RJ, o relator autorizou a realização
da mediação do Grupo Oi (em recuperação judicial)
com seus credores, sob o fundamento de que “a Lei nº
11.101/2005 não traz qualquer vedação à aplicabilidade
da instauração do procedimento de mediação no curso
de processos de Recuperação Judicial e Falência” 5 .
Em outro julgado, o STJ também autorizou a ins-
tauração de mediação entre empresa em recuperação
judicial e credor com garantia fiduciária, após pedido
das partes nos autos do Recurso Especial nº 1.692.985-
SP, ao considerar que “o Código de Processo Civil de
2015 impõe ao Poder Judiciário o dever de estimular os
métodos de solução consensual de conflitos, inclusive
no curso do processo judicial e em qualquer fase que se
encontre (art. 3º, § 3º, CPC/2015)” 6 .
O Conselho da Justiça Federal editou, nas Jornadas
de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígio, o Enun-
ciado 45, segundo o qual “a mediação e conciliação são
compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial
e a falência do empresário e da sociedade empresária,
bem como em casos de superendividamento, observa-
das as restrições legais”.
Como exemplo de mediação exitosa, podemos citar
o caso emblemático da recuperação judicial do Grupo
Oi. O juízo da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Jus-
tiça do Rio de Janeiro instaurou mediações entre as
recuperandas e credores estratégicos relevantes, acio-
nistas e até mesmo com a agência reguladora do sis-
tema de telefonia.
Além dessas mediações presenciais e estratégicas,
ao longo do processo foram instaurados três grandes
procedimentos de mediação online: (i) Programa de
Acordo com Credores – até R$ 50 mil; (ii) Mediação dos
Incidentes Processuais; e (iii) Mediação de Créditos
Ilíquidos. Já foram celebrados mais de 50 mil acordos
na plataforma criada para esse fim, com a extinção de
milhares de demandas.
Há outros vários casos de mediações bem suce-
didas e, certamente, com a nova Recomendação do
CNJ, o uso da mediação em processos de insolvências
tende a aumentar 7 . O caminho para a mudança da
cultura da judicialização é longo e árduo, mas quanto
mais falarmos sobre métodos alternativos de solução
de controvérsias, mais rápido chegaremos lá.
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