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34 DIREITO PENAL Nacional de Justiça, insere definitivamente os notários e registradores de todo o Brasil no protocolo interna- cional de prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. A norma foi construída observando-se os padrões internacionais mais modernos de prevenção à lavagem de capitais, estabelecidos pelo GAFI, tendo como fun- damento maior a prevenção como a melhor forma de proteção. Ao editar o Provimento n o 88/2019, a Corregedoria Nacional de Justiça, com a colaboração da ENCCLA, adotou a avaliação do risco como mecanismo principal de proteção. Ou seja, as medidas de prevenção e de mitigação da lavagem de dinheiro estabelecidas no provimento são proporcionais aos riscos identificados na atividade extrajudicial, tornando-as mais baratas e eficientes. A abordagem baseada no risco impõe a realização de comunicações ao Conselho de Controle de Ativida- des Financeiras (COAF) 1 , de forma mais inteligente, com qualidade e com efetivo monitoramento. Esses parâmetros foram utilizados para a elabo- ração dos 45 artigos constantes do Provimento n o 88/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça. Partindo desse contexto, analisaremos de forma sucinta os principais mecanismos de prevenção ado- tados pela norma. Universalidade de alcance Em seu art. 2 o a norma deixa claro o seu alcance, devendo ser observada pelos tabeliães de notas, tabeli- ães e oficiais de registro de contratos marítimos, tabeli- ães de protesto de títulos, oficiais de registro de imóveis, oficiais de registro de títulos e documentos e civis de pessoas jurídicas, sejam titulares, interinos ou interven- tores da respectiva serventia. Por ora, apenas os registros civis de pessoas natu- rais não foram inseridos no sistema de prevenção, o que não impede a sua inserção posteriormente caso surjam hipóteses da utilização desse serviço no come- timento de crimes de lavagem de dinheiro. Política de compliance A norma determinou a implementação de políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo compatíveis com o volume de operações e porte de cada cartório, com o objetivo de mitigar os Abril 2020 | Justiça & Cidadania n o 236 riscos da utilização da atividade extrajudicial na prá- tica desse tipo de crime. Para isso, estabeleceu procedimentos e controles mínimos, de observância obrigatória, que deverão ser fiscalizados pelas corregedorias dos tribunais de jus- tiçados estados e do Distrito Federal, entre as quais podemos destacar: • a realização de diligência razoável para a qualifi- cação dos clientes, beneficiários finais e demais envolvidos nas operações; • obtenção de informações sobre o propósito e a natureza da relação de negócios; • a identificação de operações ou propostas de operações suspeitas ou de comunicação obriga- tória; • a mitigação dos riscos de que novos produtos, serviços e tecnologias possam ser utilizados para a lavagem de dinheiro e para o financia- mento do terrorismo; e, • a verificação periódica da eficácia da política e dos procedimentos e controles internos adotados. A política de compliance implementada pelos car- tórios é o mecanismo que vai permitir a condução da atividade extrajudicial de forma segura. Como parte dessas medidas, foi criada a figura do Oficial de Cumprimento, que será o responsável pelo envio de informações ao COAF. O Oficial de Cumprimento poderá ser o próprio delegatário, pessoa por ele indicada, ou o interino e interventor responsável pela serventia, havendo res- ponsabilidade solidária de todos na execução de seus deveres (art. 8 o . §3 o ) Vale ressaltar que na política de compliance está incluído o treinamento de todos os notários, registra- dores, oficiais de cumprimento e empregados contra- tados, a fim de que se crie um protocolo de prevenção institucionalizado no âmbito das serventias de todo País. Cadastro Único de Clientes Os notários e registradores deverão avaliar a exis- tência de suspeição nas operações ou propostas de operações de seus clientes, dispensando especial aten- ção àquelas incomuns ou que, por suas características, no que se refere a partes envolvidas, valores, forma de realização, finalidade, complexidade, instrumentos uti- lizados ou pela falta de fundamento econômico ou legal possam configurar indícios dos crimes de lavagem de dinheiro ou de financiamento do terrorismo, ou com eles relacionar-se (art. 5 o .). Para tanto, foi criado o Cadastro Único de Clien- tes. O GAFI estabelece como um de seus padrões de prevenção a identificação do cliente, na medida em que, conhecendo o seu cliente, mais fácil será identificar a prática de operações suspeitas por ele realizadas. Assim, o Cadastro conterá a identificação porme- norizada das pessoas físicas e de pessoas jurídicas que utilizam os serviços extrajudiciais, proporcionando dados confiáveis em relação aos usuários dos serviços, bem como de seus negócios. Dentre os dados que constarão do cadastro único, um se apresenta com grande relevância: o enquadra- mento na condição de Pessoa Exposta Politicamente. As recomendações do GAFI impõem uma atenção especial às pessoas expostas politicamente, em razão da possibilidade de apresentarem um risco mais acen- tuado da prática de atos de corrupção, pela simples razão de ocuparem cargos públicos relevantes. Em razão dessa prioridade, o Provimento deter- mina que notários e registradores, sempre que possível, identifiquem essa condição naqueles que procuram os serviços extrajudiciais, observando a Resolução n o 29, de 07 de dezembro de 2017, do COAF (art. 9 o . §1 o , III, “k”). Cadastro Único de Beneficiários Finais Este cadastro possui por objetivo fundamental a identificação do verdadeiro beneficiário de toda e qual- quer operação realizada nos cartórios extrajudiciais brasileiros. Trata-se de uma medida de transparência que impõe aos notários e registradores a identificação do verdadeiro titular/beneficiado do negócio a ser reali- zado nos cartórios. Tudo isso não adiantaria se os cartórios extrajudi- ciais não tivessem meios de manter atualizados esses cadastros. Para tanto, foi prevista a possibilidade de realização de convênios com a Receita Federal do Bra- sil, as juntas comerciais dos estados, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e quaisquer outros órgãos, organismos internacionais ou instituições que dete- nham dados sobre atos constitutivos, modificativos, extintivos ou que informem participações societárias em pessoas jurídicas. Comunicações automáticas e suspeitas O trabalho de toda unidade de inteligência finan- ceira ao redor do mundo dá-se por intermédio das comunicações realizadas pelas entidades obrigadas, sejam financeiras ou não financeiras. No Brasil não é diferente. O COAF produz a inteligência financeira por intermédio dos dados de operações que lhes são encaminhados pelos setores obrigados (instituições financeiras e consórcios, empresas seguradoras e de previdência suplementar, instituições que atuam no mercado de valores imobiliários, joalherias, comércio de bens de luxo e de alto valor, comércio de imóveis, juntas comerciais e registros públicos). Essas informações são consolidadas nos Relató- rios de Inteligência Financeira (RIFs) e, posterior- mente, encaminhadas aos órgãos competentes para subsidiar procedimentos investigativos. As comunicações podem ser classificadas como automáticas ou suspeitas. As automáticas são aquelas comunicações de operações descritas taxativamente pela norma aplicável que, se ocorrendo, impõe a reali- zação da comunicação ao COAF, independentemente de qualquer juízo de valor por parte do obrigado. Por exemplo, o art. 25, I, do Provimento n o 88/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça estabelece que o registrador de imóvel comunicará obrigatoriamente ao COAF, independentemente da análise de qualquer outra condição, o registro de transmissão sucessiva do mesmo bem, em período não superior a seis meses, se a diferença entre os valores declarados for superior a 50%. Assim, ocorrendo a hipótese acima, o registrador de imóveis deve efetuar a comunicação ao COAF. Já as comunicações de operações suspeitas são aquelas que necessitam de um juízo de valor por parte do obrigado, observando-se parâmetros mínimos estabelecidos na norma. O art. 20, I, do Provimento n o 88/2019, estabe- lece que pode configurar operação suspeita aquela incompatível com o patrimônio ou com a capacidade 35