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TENDÊNCIAS
Abril 2020 | Justiça & Cidadania n o 236
Cartórios digitais
“Rompido o paradigma, voltaremos atrás?”
Da Redação
E
m ritmo acelerado, a sociedade se apropria de
todas as ferramentas digitais disponíveis para
manter em funcionamento os serviços essenciais
durante a pandemia. No sistema de Justiça, uma das res-
postas ao novo coronavírus veio na forma do Provimento
95, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autoriza o
funcionamento digital dos cartórios enquanto durarem
as medidas de quarentena em todo o País.
Assinado em 1º de abril pelo Presidente do CNJ e
do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Antonio
Dias Toffoli, o Provimento permite a lavratura de atos
notariais digitais considerando que o funcionamento
dos cartórios é essencial “para o exercício da cidadania,
a circulação da propriedade, a obtenção de crédito com
garantia real, a prova do inadimplemento de títulos
e outros documentos de dívida com a chancela da fé
pública, entre outros direitos”.
Os cartórios rapidamente começaram a se adaptar.
A primeira procuração 100% digital do Brasil foi emi-
tida menos de uma semana depois, em 6 de abril, pelo
15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, e possibilitou a
venda de imóvel, em Copacabana, cuja proprietária
brasileira reside na Itália.
Para debater todas as implicações do funciona-
mento digital dos cartórios, a Revista Justiça & Cida-
dania e o 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro realiza-
ram em 9 de abril mais uma edição do Projeto Conversa
com o Judiciário, desta vez em formato de webinário.
Com coordenação acadêmica do Ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha Palheiro,
o seminário digital contou com a participação do Juiz
Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Alexan-
dre Chini, do Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro Fábio Porto, do Superin-
tendente de Habitação da Caixa, Cláudio Martins, da
Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, Fer-
nanda Leitão, e do Presidente da Associação de Diri-
gentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi
-Rio), Cláudio Hermolin.
Apresentado pelo Editor-Executivo da Revista,
Tiago Salles, o debate foi acompanhado por mais de
mil web espectadores, que puderam esclarecer dúvidas
sobre a utilização dos recursos digitais, os sistemas de
certificação e as tecnologias utilizadas.
Resposta natural – Em sua participação, o Minis-
tro Saldanha avaliou que as normas do Provimento 95
e de enunciados anteriores do CNJ trouxeram referên-
cias que tendem a se perpetuar para além do momento
de crise. O magistrado ressaltou, contudo, que a utili-
zação dos meios digitais deve obedecer aos princípios
da atividade judicial como publicidade, previsibilidade
e transparência, e atentou para a necessária norma-
tização da territorialidade dos cartórios. “A história
anda para frente. A atuação remota está enraizada no
cenário mundial, e a Justiça não poderia ficar de fora.
Isso veio para ficar e vai se incorporar de forma las-
treada em nosso ordenamento jurídico. (...) Iniciativas
como a desse webinário ajudam a dar mais esse passo
em direção ao futuro”, comentou o Ministro.
O Juiz Alexandre Chini, que na Corregedoria Nacio-
nal de Justiça participou ativamente da criação do Pro-
vimento 95, apresentou uma retrospectiva de todos os
atos normativos editados durante a pandemia relacio-
nados às serventias extrajudiciais (Recomendação 45 e
provimentos 91,92,93,94 e 95). Ele explicou que os cartó-
rios estão autorizados a aceitar documentos com certifi-
“Da esquerda para a direita, de cima para baixo, o Ministro Antonio Saldanha, o Juiz Fábio Porto, o Editor Tiago Salles,
o Juiz Alexandre Chini, a Tabeliã Fernanda Leitão, o empresário Cláudio Hermolin e o Superintendente Cláudio Martins”
cados validados pela Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira (ICP-Brasil), ou que utilizem outra tecnologia,
desde que admitida como válida pelas partes.
Ao comentar que o mundo há algum tempo já vinha
se transformando digitalmente, o Juiz Fábio Porto con-
siderou a regulamentação do funcionamento digital
dos cartórios como uma resposta natural do sistema
de Justiça à pandemia. “Estamos caminhando para
uma realidade em que os serviços e também o Judici-
ário vão estar na palma da mão”, comentou o magis-
trado, que acrescentou por fim um questionamento
compartilhado por outros participantes espectadores:
“Depois de rompido o paradigma, vamos conseguir
voltar atrás?”
Resposta natural – A Tabeliã Fernanda Leitão
lembrou que a atividade notarial remonta há mais de
três mil anos, com o registro de negócios jurídicos em
pedras, em tábuas e em papel. A utilização dos meios
digitais, para ela, seria apenas o mais recente passo
dessa evolução histórica. A pedido dos magistrados
participantes, ela narrou todo como foi o processo do
primeiro documento digital lavrado pelo 15º Ofício,
que incluiu videoconferências e a utilização do sistema
blockchain. Em sua avaliação, a novidade trará ganhos
para a sociedade: “Era uma questão que viria natu-
ralmente, mas que agora foi acelerada. Vamos aliar a
tecnologia com a segurança jurídica conferida pela fé
pública do tabelião”.
De acordo com o empresário Cláudio Hermolin, o
funcionamento digital dos cartórios também é muito
bem-vindo pelo mercado imobiliário. Segundo ele, as
construtoras e incorporadoras imobiliárias já vêm rea-
lizando feirões de imóveis totalmente digitais, com o
uso de ferramentas que dispensam a presença física.
“O que faltava era realmente a entrada dos cartórios
no cenário digital. Espero que essa possibilidade se
estenda para sempre, para que a partir de agora toda
a jornada de compra, venda, locação e crédito do mer-
cado imobiliário possa ser feita digitalmente”, opinou o
Presidente da Ademi-Rio.
Por fim, o Superintendente Cláudio Martins ressal-
tou que, em geral, as grandes evoluções ocorrem justa-
mente nos momentos de crise. Utilizou como exemplo o
aplicativo digital da Caixa para o pagamento do auxílio
emergencial aos trabalhadores autônomos, desempre-
gados e microempreendedores individuais, resposta
tecnológica desenvolvida em uma semana e que, apenas
nas duas primeiras horas de uso, registrou nove milhões
de acessos. “Algo que não seria possível em condições
normais de temperatura e pressão”, comentou.
Assista a gravação do debate em nosso site edito-
rajc.com.br
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