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14 OPINIÃO abandonar aquilo que se tornou extensão de seu corpo. Enfrentei, como Secretário da Educação do Estado de São Paulo no período de 2016 a 2018, considerável difi- culdade para permitir uma utilização compatível com as exigências de uma formação adequada. Foi excepcio- nada a proibição do uso do celular dentro da sala de aula, desde que a utilização visasse finalidades pedagógicas. Estas já eram o alvo de docentes experimentados no trato da mocidade milenial, aquela que parece já nascer com chip. Percebeu-se que a gamificação poderia ser valioso recurso no desenvolvimento das competências em geral negligenciadas na educação convencional. Aquelas habilidades socioemocionais como a empatia, a criatividade, a comunicação, a capacidade de se adaptar ao mundo em que o inesperado é a única certeza. Os resultados do uso das infinitas e mutáveis fun- cionalidades do mundo virtual são palpáveis na aferição da performance de alunos familiarizados com essa onda irreversível e aqueles condicionados ao ensino regular. Podem ser alinhadas evidentes vantagens do EAD. Os conteúdos podem ser atualizados de maneira a suprir a insuficiência de aulas apostiladas e reiterada- mente ministradas para turmas de anos seguidos, sem qualquer alteração. Além disso, têm condições de oferta muito mais sedutora do que a monocórdia leitura de textos prontos. Podem abrigar ilustrações, cenas de fil- mes, textos escolhidos da literatura universal, tudo para atrair um ser curioso, ávido por desvendar o universo ainda ignorado. O tempo, capital de valia extrema, porque não pode ser fabricado, é um fator que recomenda a intensifica- ção do implemento em escala maior do EAD. Poupa-se aquele despendido no percurso da casa à escola. Eco- nomiza-se o deslocamento, cada vez mais dificultoso e sacrificado nas grandes cidades e que penaliza exata- mente o mais carente. Os argumentos em contrário são ponderáveis. Como exigir de alguém ainda imaturo que mantenha atenção desperta e consciente para aquilo que a tela transmite? É uma questão de responsabilidade e de interesse. Quem experimentou o magistério presencial não estranha que em uma classe exista o aluno interessado e aquele cuja presença é apenas física, mas cuja mente está a viajar, absorta em outros temas. Aqui entra a responsabilidade dos pais. A educação é direito de todos, mas é dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade. Não se pode generalizar, OPINIÃO mas há um contingente imenso de pais que acreditam ser obrigação exclusiva do governo a de educar seus filhos. Nada como uma crise para valorizar a professora que se incumbiu de alfabetizar a cria alheia, nem sempre polida e atenta, muita vez em detrimento da própria. A educação à distância é um teste à maturidade dos pais, ao talento dos educadores, à criatividade dos designers e formatadores de plataformas cativantes, que agucem a curiosidade do aprendiz e o estimule a aprofundar a pesquisa. É o momento apropriado de experimentar a educação no seio familiar. Há muitos pais que não se conformam com a homogeneidade na transmissão do conhecimento, sem respeitar a individualidade do dis- cípulo. Uma das características do ser humano é sua irrepetível heterogeneidade. Cada qual tem um ritmo de aprendizado, uma facilidade e uma dificuldade. Uma educação programada tenta homogeneizar o alunado, em um adestramento que prioriza sua capacidade mnemônica e não sua faculdade de pensar e de extrair consequências de sua elaboração intelectual. As questões práticas não podem ser relegadas a momento posterior. É óbvio que as escolas particulares encontrarão fórmulas de ressarcir os pais, com abati- mento proporcional à economia gerada pela transitó- ria paralisação. As planilhas de custo devem ser expos- tas com franqueza, para demonstrar que o dispêndio preponderante na educação privada é a folha de paga- mento e as utilidades públicas. O melhor caminho é o da busca de composição consensual de controvérsias. Judicializar, neste caso, continua a ser a pior solução. Os tempos reclamam postura cidadã madura e responsável. A esperada revolução educacional que superasse o fosso entre o Brasil e as nações de melhor desempenho na avaliação trienal PISA, promovida pela OCDE, talvez resulte da inventividade provocada pela calamitosa pandemia. É chegada a hora de reconhecer a imersão da humanidade no cenário disruptivo das tecnologias que nos obrigam a contínua reformulação de rota. Na adoção das melhores práticas que permitam a evolução do convívio, rumo ao ideal de uma fraternidade universal. O Direito não pode ser obstáculo nesse momento. Cumpre recordar a lição imperecível de Jean Cruet, no livro “A vida do direito e a inutilidade das leis”, cuja epí- grafe é autoexplicativa: “vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade”. Abril 2020 | Justiça & Cidadania n o 236 Justiça em tempos de pandemia Felipe Santa Cruz Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil O avanço de casos do novo coronaví- rus no País exige, dos cidadãos e das instituições, responsabilidade social e também medidas que possam mitigar as consequências da pandemia no campo eco- nômico. É preciso que cada indivíduo tenha consciência da importância do cumprimento das orientações de quarentena e outras medidas das autoridades sanitárias; e que o Poder Público ofereça contrapartidas efeti- vas, a fim de dar condições de sobrevivência ao pequeno e médio empresário, aos traba- lhadores autônomos e aos profissionais libe- rais durante o período de esforço coletivo. No âmbito da Justiça, é fundamental bus- car soluções para seu funcionamento sem pre- juízo do combate à pandemia. O trabalho de mais de um milhão de advogadas e advogados brasileiros, assim como os pleitos de centenas de milhares de cidadãos, dependem disso. Nos processos eletrônicos, portanto, os prazos não devem ser suspensos. E o uso de ferramentas tecnológicas, como as videocon- ferências e o teletrabalho, será de valiosa ajuda para a continuidade da prestação jurisdicional. É compreensível a suspensão das audiências por 15 dias, com posterior reavaliação quanto a novas postergações, conforme orientação das autoridades de saúde. Mas os casos urgentes, que envolvam risco de perecimento de direito ou de prescrição, necessitam ter garantida a sua discussão, com a cautela de se evitar a aproxi- mação pessoal entre partes, advogados e fun- cionários. Esse conceito de urgência se aplica igualmente a audiências de custódia, admonitórias e de réus presos, que devem prosseguir, normalmente. Os processos nos quais há valores depositados em condições de serem liberados e as demandas de execução e cumprimento de sentença requerem prioridade, com a promoção de iniciativas que agilizem a expedição de alva- rás e a liberação de valores. Tais propostas integram documento entregue pela OAB Nacional ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo da Ordem é colaborar, procurando soluções conjuntas no sentido de atenuar as naturais dificuldades impostas pela covid-19 às atividades do Judiciário. Defendemos que haja um acompanhamento ainda mais rigoroso da produtividade nesse momento de exce- ção. Entre as sugestões da OAB, está a realização de reuni- ões, no mínimo uma vez por semana, por meio eletrônico, nas unidades da Justiça. Nesses encontros virtuais, os servidores poderão avaliar os trabalhos e a adoção de pro- vidências para a continuidade dos serviços forenses, no mesmo ritmo anterior ao da disseminação do coronavírus. Por fim, é essencial uma uniformização da política a ser aplicada nacionalmente pelo Judiciário, a partir da orienta- ção do CNJ. Regras claras e bem definidas, em todo o Brasil. Um eventual colapso na administração da Justiça acarreta- ria seríssimos prejuízos para a população, já tão sacrificada em seu cotidiano pela sombra trágica da pandemia. 15