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OPINIÃO
abandonar aquilo que se tornou extensão de seu corpo.
Enfrentei, como Secretário da Educação do Estado de
São Paulo no período de 2016 a 2018, considerável difi-
culdade para permitir uma utilização compatível com
as exigências de uma formação adequada. Foi excepcio-
nada a proibição do uso do celular dentro da sala de aula,
desde que a utilização visasse finalidades pedagógicas.
Estas já eram o alvo de docentes experimentados no
trato da mocidade milenial, aquela que parece já nascer
com chip. Percebeu-se que a gamificação poderia ser
valioso recurso no desenvolvimento das competências
em geral negligenciadas na educação convencional.
Aquelas habilidades socioemocionais como a empatia, a
criatividade, a comunicação, a capacidade de se adaptar
ao mundo em que o inesperado é a única certeza.
Os resultados do uso das infinitas e mutáveis fun-
cionalidades do mundo virtual são palpáveis na aferição
da performance de alunos familiarizados com essa onda
irreversível e aqueles condicionados ao ensino regular.
Podem ser alinhadas evidentes vantagens do EAD.
Os conteúdos podem ser atualizados de maneira a
suprir a insuficiência de aulas apostiladas e reiterada-
mente ministradas para turmas de anos seguidos, sem
qualquer alteração. Além disso, têm condições de oferta
muito mais sedutora do que a monocórdia leitura de
textos prontos. Podem abrigar ilustrações, cenas de fil-
mes, textos escolhidos da literatura universal, tudo para
atrair um ser curioso, ávido por desvendar o universo
ainda ignorado.
O tempo, capital de valia extrema, porque não pode
ser fabricado, é um fator que recomenda a intensifica-
ção do implemento em escala maior do EAD. Poupa-se
aquele despendido no percurso da casa à escola. Eco-
nomiza-se o deslocamento, cada vez mais dificultoso e
sacrificado nas grandes cidades e que penaliza exata-
mente o mais carente.
Os argumentos em contrário são ponderáveis. Como
exigir de alguém ainda imaturo que mantenha atenção
desperta e consciente para aquilo que a tela transmite?
É uma questão de responsabilidade e de interesse. Quem
experimentou o magistério presencial não estranha que
em uma classe exista o aluno interessado e aquele cuja
presença é apenas física, mas cuja mente está a viajar,
absorta em outros temas.
Aqui entra a responsabilidade dos pais. A educação é
direito de todos, mas é dever do Estado e da família, em
colaboração com a sociedade. Não se pode generalizar,
OPINIÃO
mas há um contingente imenso de pais que acreditam ser
obrigação exclusiva do governo a de educar seus filhos.
Nada como uma crise para valorizar a professora
que se incumbiu de alfabetizar a cria alheia, nem sempre
polida e atenta, muita vez em detrimento da própria.
A educação à distância é um teste à maturidade
dos pais, ao talento dos educadores, à criatividade dos
designers e formatadores de plataformas cativantes,
que agucem a curiosidade do aprendiz e o estimule a
aprofundar a pesquisa.
É o momento apropriado de experimentar a
educação no seio familiar. Há muitos pais que não se
conformam com a homogeneidade na transmissão do
conhecimento, sem respeitar a individualidade do dis-
cípulo. Uma das características do ser humano é sua
irrepetível heterogeneidade. Cada qual tem um ritmo
de aprendizado, uma facilidade e uma dificuldade. Uma
educação programada tenta homogeneizar o alunado,
em um adestramento que prioriza sua capacidade
mnemônica e não sua faculdade de pensar e de extrair
consequências de sua elaboração intelectual.
As questões práticas não podem ser relegadas a
momento posterior. É óbvio que as escolas particulares
encontrarão fórmulas de ressarcir os pais, com abati-
mento proporcional à economia gerada pela transitó-
ria paralisação. As planilhas de custo devem ser expos-
tas com franqueza, para demonstrar que o dispêndio
preponderante na educação privada é a folha de paga-
mento e as utilidades públicas. O melhor caminho é o
da busca de composição consensual de controvérsias.
Judicializar, neste caso, continua a ser a pior solução.
Os tempos reclamam postura cidadã madura e
responsável. A esperada revolução educacional que
superasse o fosso entre o Brasil e as nações de melhor
desempenho na avaliação trienal PISA, promovida pela
OCDE, talvez resulte da inventividade provocada pela
calamitosa pandemia.
É chegada a hora de reconhecer a imersão da
humanidade no cenário disruptivo das tecnologias que
nos obrigam a contínua reformulação de rota. Na adoção
das melhores práticas que permitam a evolução do
convívio, rumo ao ideal de uma fraternidade universal.
O Direito não pode ser obstáculo nesse momento.
Cumpre recordar a lição imperecível de Jean Cruet, no
livro “A vida do direito e a inutilidade das leis”, cuja epí-
grafe é autoexplicativa: “vê-se todos os dias a sociedade
reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade”.
Abril 2020 | Justiça & Cidadania n o 236
Justiça em tempos
de pandemia
Felipe Santa Cruz
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil
O
avanço de casos do novo coronaví-
rus no País exige, dos cidadãos e das
instituições, responsabilidade social
e também medidas que possam mitigar as
consequências da pandemia no campo eco-
nômico. É preciso que cada indivíduo tenha
consciência da importância do cumprimento
das orientações de quarentena e outras
medidas das autoridades sanitárias; e que o
Poder Público ofereça contrapartidas efeti-
vas, a fim de dar condições de sobrevivência
ao pequeno e médio empresário, aos traba-
lhadores autônomos e aos profissionais libe-
rais durante o período de esforço coletivo.
No âmbito da Justiça, é fundamental bus-
car soluções para seu funcionamento sem pre-
juízo do combate à pandemia. O trabalho de
mais de um milhão de advogadas e advogados
brasileiros, assim como os pleitos de centenas
de milhares de cidadãos, dependem disso.
Nos processos eletrônicos, portanto, os
prazos não devem ser suspensos. E o uso de
ferramentas tecnológicas, como as videocon-
ferências e o teletrabalho, será de valiosa ajuda
para a continuidade da prestação jurisdicional.
É compreensível a suspensão das
audiências por 15 dias, com posterior
reavaliação quanto a novas postergações,
conforme orientação das autoridades de
saúde. Mas os casos urgentes, que envolvam
risco de perecimento de direito ou de
prescrição, necessitam ter garantida a sua
discussão, com a cautela de se evitar a aproxi-
mação pessoal entre partes, advogados e fun-
cionários. Esse conceito de urgência se aplica
igualmente a audiências de custódia, admonitórias e de
réus presos, que devem prosseguir, normalmente.
Os processos nos quais há valores depositados em
condições de serem liberados e as demandas de execução
e cumprimento de sentença requerem prioridade, com a
promoção de iniciativas que agilizem a expedição de alva-
rás e a liberação de valores.
Tais propostas integram documento entregue pela
OAB Nacional ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O objetivo da Ordem é colaborar, procurando soluções
conjuntas no sentido de atenuar as naturais dificuldades
impostas pela covid-19 às atividades do Judiciário.
Defendemos que haja um acompanhamento ainda
mais rigoroso da produtividade nesse momento de exce-
ção. Entre as sugestões da OAB, está a realização de reuni-
ões, no mínimo uma vez por semana, por meio eletrônico,
nas unidades da Justiça. Nesses encontros virtuais, os
servidores poderão avaliar os trabalhos e a adoção de pro-
vidências para a continuidade dos serviços forenses, no
mesmo ritmo anterior ao da disseminação do coronavírus.
Por fim, é essencial uma uniformização da política a ser
aplicada nacionalmente pelo Judiciário, a partir da orienta-
ção do CNJ. Regras claras e bem definidas, em todo o Brasil.
Um eventual colapso na administração da Justiça acarreta-
ria seríssimos prejuízos para a população, já tão sacrificada
em seu cotidiano pela sombra trágica da pandemia.
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