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OPINIÃO
Pede-se bom senso
ao Direito
José Renato Nalini
Membro do Conselho Editorial
Desembargador aposentado do TJSP e Secretário de Educação
do Estado de São Paulo entre 2016 e 2018
Abril 2020 | Justiça & Cidadania n o 236
S
empre concebi a ciência jurídica de uma forma
antes de tudo pragmática: arsenal de instrumen-
tos para facilitar a vida humana. Menosprezo
algum pelo aprofundamento doutrinário, a esmiuçar
os recônditos desse engenho destinado a atenuar as
vicissitudes a que se sujeita a criatura, durante sua frá-
gil e efêmera aventura terrena. Todavia, o Direito pre-
cisa funcionar. Precisa mostrar a que veio. E não lhe é
dado ignorar a realidade.
O advento dessa pandemia que paralisou o mundo
afeta a todos. Não há quem tenha se subtraído aos
potentes impactos de um confinamento forçado e
de um pânico intensificado. Quando a morte ronda a
humanidade, ela comprova nunca ter sabido adminis-
trar com tranquilidade a única certeza inevitável no
horizonte de qualquer ser vivo.
A interrupção da maior parte das atividades roti-
neiras transformou a vida familiar. Que o digam os
pais, há tempos acostumados a deixar sua prole con-
fiada à escola. Sem prévio aviso, têm de administrar
a contingência de tê-los permanentemente ao lado,
dia após dia, sem a tranquilidade normal. As horas de
entrega ao ensino convencional se alicerçavam na pre-
sunção de que os alunos estivessem a merecer a melhor
formação para a vida. Afinal, a finalidade da educação é
desenvolver as potencialidades de cada educando, para
que ele possa atingir a plenitude, em termos de inte-
gral desenvolvimento de sua personalidade. Qualificar
para o trabalho e capacitar cada aluno para o adequado
exercício da cidadania. Tal a síntese extraível do art.
205 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Eis senão quando, de repente, os estabelecimentos de
ensino são fechados e as aulas interrompidas. O que fazer?
Impõe-se a adoção de alternativa ao colapso. A mais
óbvia é adotar a educação à distância. A EAD, contra a
qual esboçou-se nítida resistência generalizada, come-
çou a ganhar adeptos. Decorrência da urbanização
frenética, de uma cultura que priorizou o mais egoísta
dentre os meios de transporte, o automóvel. O aban-
dono às políticas públicas de investimento no interesse
coletivo, para fortalecer a ambição de cada ser humano
em possuir seu carro próprio, de preferência para uso
exclusivamente individual.
As cidades brasileiras privilegiam o veículo automo-
tor de uso pessoal, em detrimento do transporte público,
disponível nas maiores cidades do primeiro mundo. O
fenômeno da mobilidade passou a disputar espaço com
outros insolúveis problemas contemporâneos, como a
violência, a destruição ambiental, a falta de saneamento
básico, a moradia insuficiente e o desemprego.
A odisseia da classe menos favorecida, cada vez
mais expulsa para as periferias e tendo de se servir de
várias conduções para chegar ao local de trabalho fez
ressurgir a necessidade do EAD. Os últimos anos têm
evidenciado que a opção foi sendo a cada dia mais con-
siderada, subtraídos os preconceitos que a considera-
vam menos eficiente do que o ensino presencial.
O crescimento foi exponencial na Universidade,
sobretudo na iniciativa privada, responsável pela maior
parcela de universalização do acesso ao ensino supe-
rior. Menor a adesão do Ensino Fundamental e Médio,
pois prevalecia a ideia de que nada poderia substituir o
contato pessoal entre professor e aluno.
A necessidade é notável matriz de inspiração. O
advento da pandemia do coronavírus obrigou essa
faixa a também se servir daquilo que a Quarta Revo-
lução Industrial disponibilizou e tornou acessível a
todos, no âmbito do que se convencionou chamar Tec-
nologias de Informação e Comunicação (TICs).
O Brasil, a despeito de vergonhosa disparidade entre
segmentos incluídos e excluídos, é uma nação que dispõe
de 265 milhões de mobiles. Não há quem estranhe manu-
sear seu celular, smartphone, tablet, notebook, nas mãos
de quase todas as pessoas. Somos 210 milhões de habi-
tantes e considerada a quantidade de bugigangas eletrô-
nicas que viabilizam o acesso a um universo crescente de
sons, imagens, dados e informações, há brasileiros que
manejam vários desses aparelhos.
O fenômeno já transformara a educação formal.
Enquanto a primeira infância ainda se submetia à tra-
dição de permanência em uma classe escolar tipo-pa-
drão, com distribuição física arcaica e obsoleta – as
fileiras indianas imutáveis – e aulas prelecionais ao
estilo do magister dixit, os adolescentes se rebelaram.
Não era incomum encontrar salas do Ensino Médio
com capacidade ociosa, enquanto o alunado se aglome-
rava nos barzinhos das imediações. Aqueles que per-
maneciam dentro da classe, nem todos atentavam para
o conteúdo das lições expositivas. Preferiam acessar os
seus mobiles, para troca de mensagens ou até para a
busca de conhecimento atualizado, o que nem sempre
coincidia com o conteúdo da aula.
A proibição ao uso de celular na sala de aula defron-
tou-se com a evidência de que a juventude não iria
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