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começar. Deixei de olhar a catedral de longe,
como simples passante. Aproximei-me e comecei
a estudar mais de perto a sua forma. Espero que
não fique a vida inteira por aí. E que possa, num
futuro mais ou menos remoto, chegar à essência,
à alma do templo. Não quero, portanto, prejulgar
nada. A coisa é imensa e muito mais complexa
do que se pensa. E o caminho tem espinhos
insuportáveis. E por vezes sinto a minha alma
como uma floresta ardida até as raízes e onde
a semente já não consegue brotar de novo. O
aniquilamento a que cheguei foi tão absoluto,
ou antes, foi pior do que isso, não foi total,
foi confuso, indeterminado, sem ordem, sem
substituição total. De forma que a volta ainda é
mais difícil. Pois tudo está baralhado. E na terra
onde tudo nasce, nada acaba nascendo bem.
(Ibidem, p. 80)
Creia, meu querido Jackson, hoje já não peço
a Deus apenas fé. Peço também inteligência para
propagar, para comunicar a fé. Porque começo a
sentir não mais a inquietação de chegar à Verdade
(compreendi que essa é eterna e necessária, mas
que a verdade em si não depende dela) mas a inquietação de mostrar a Verdade.
(Ibidem, p. 114)
Vou dizer-lhe uma coisa, que deveria calar.
Que hesito mesmo em dizer. Mas enfim, só a você,
meu querido amigo. Todas as noites me ajoelho,
escondido. Sim, escondido até de minha mulher.
Como um criminoso, ou antes, mais banalmente,
como uma criança que vai fazer uma travessura.
Ela pensa que eu vivo sereno na minha descrença,
ou mesmo na minha dúvida. E, no entanto, todas
as noites, esse orgulhoso Tristão se ajoelha profundamente humilhado e balbucia o que lhe resta
de preces, para pedir… pedir o quê? se a
gente só obtém quando dá, e eu nada tenho
a dar, ou antes, não consigo achar o que
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