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Eu canto, tu cantas, nós cantamos
apreciando/interagindo: a ludicidade em expressão livre e criativa. É isso o que temos a aprender
com as crianças – se pudermos dar uma pausa em nossos ensinamentos de valores e ideais
preestabelecidos – e escutá-las. A partir dessa liberdade de linguagem não estamos apenas na
“Cantar, cantar sempre mais
iminência da criação de novas expressões artísticas, mas também de novas relações sociais. O
de tarde, de noite e de dia.
humano se desliga da arbitrariedade do que é utilitário e do raciocínio pretensamente puro para
Cantar, cantar que a paz
viver uma experiência sem conseqüência predeterminada. Poesia, e isso é sempre bom lembrar,
carece de mais cantoria.”
ao contrário da burocracia, trilha o caminho do fazer não-condicionado, inaugural.
Gildes Bezerra
Não se ensina sensibilidade (”o silêncio não se lê”): estimula-se, desenvolve-se, provocase; este é o campo do qual brota a poesia, e métodos lógicos pouco acrescentam a esse
O canto com certeza é uma das atividades musicais mais acessíveis. Heitor Villa-Lobos sabia
processo. É claro que o raciocínio lógico também tem seu espaço em qualquer pedagogia.
disso quando vislumbrou um programa de educação musical chamado “Canto Orfeônico” que
Porém, se queremos acrescentar a dimensão criativa no centro de um processo educacional
foi realizado durante anos nas escolas públicas. Sem me estender em questionamentos ou críticas
(ou deseducacional) e transformar algo nas relações humanas, temos que correr este risco: o
a respeito de como se desenvolveu esse programa, o importante é que ele sabia que a educação
risco da poesia.
musical era um veículo de resistência de uma cultura brasileira criativa, inovadora.
Também Zoltán Kodály, músico e educador, criou um método de ensino musical baseado
Ricardo Balieiro
no cancioneiro popular húngaro. Kodály passou um longo tempo pesquisando o cancioneiro
popular de seu país para então lançar um método de compreensão da linguagem musical que
envolvesse a pesquisa, a leitura e a escrita. De forma muitas vezes lúdica, Kodály buscou tornar a
música acessível a todos em seu país.
Villa-Lobos e Kodály tinham consciência de que a música identificava seu povo, suas crenças,
suas tradições culturais, além de ser um importante instrumento de estímulo a sensibilidade e a
criatividade humana.
Desde menino e até hoje depois de concluir a faculdade, estudar música sempre me deu
muita alegria, por isso sigo querendo aprender sempre e tenho prazer em ensinar o que até aqui
já aprendi. Sei que é importante não somente a leitura de livros, mas a leitura de mundos, de
pessoas de diferentes lugares, classes sociais e formações.
Procuro ficar atento aos meus sentidos, principalmente ao que escuto. Sou grato por
ter aprendido com tantas pessoas que, mesmo sem saber, me são tão caras, como: Mário de
Andrade, Câmara Cascudo, Mestre Geraldinho de Taubaté, Zé Mira, Mestre Sílvio do Cachuêra,
Dona Lili, Antônio Nóbrega, Lydia Hortélio, Maristela Alberine Loureiro, Sandra Oak do Mawaca,
Adelsin, Chico dos Bonecos, minha avó Minervina, meus pais e outros tantos, que com suas vidas
ou suas obras, me acrescentaram sentimentos tão generosos pela música, pelo povo e pelo país
onde nasci.
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