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INTRODUÇÃO*
Uma chuvinha fina, quase uma bênção do céu, caiu por
alguns instantes no mesmo momento em que o corpo agora já sem
vida do padre Aleksandr parou nos degraus, ao sair pela última vez
daquela igrejinha rural onde trabalhara durante anos. Uma brisa
suave soprou os galhos de árvores altíssimas, fazendo voar sobre
a multidão que, atônita, rezava fora da igreja, algumas folhas já
amarelecidas das bétulas.
Naquela manhã de começo de outono, o tempo era instável,
como instável era o momento histórico que se vivia na Rússia, momento que eu tive o privilégio de partilhar com aquela gente. Talvez
essa mesma labilidade generalizada fosse a causa remota daquela
morte terrível, daquele assassinato bárbaro e sacrílego. Mas o povo
russo, acostumado à incerteza, aos difíceis “tempos tumultuados”,
às mudanças repentinas, ambíguas e sanguinolentas, aprendeu a
sofrer calado, mas com dignidade.
Do meu canto, observava os rostos das pessoas ao meu
lado, os filhos espirituais de padre Aleksandr. Serioja, o escultor,
chorava em silêncio, sem enxugar as lágrimas, segurando uma
vela na mão. O desalento e as lágrimas em nada perturbavam;
pelo contrário, só realçavam a extraordinária dignidade dos russos
perante o sofrimento.
Mais uma vez, o sangue de um ministro de Deus embebia
o solo russo. Dois dias antes, 9 de setembro de 1990, às cinco da
*) Trata-se da Introdução à edição italiana, a partir da qual foi feita a tradução desta
obra para o português.
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