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Baseados nessa explicação, podemos agora considerar alguns elementos que não podem faltar na leitura de um relato evangélico. O exemplo que examinamos é muito instrutivo porque mostra como um relato evangélico foi escrito e como deve então ser lido. Como podemos ver, a narração evangélica é essencialmente um discurso de fé e não um relato histórico, embora fundado em acontecimentos históricos corretamente interpretados à luz da fé. O evangelista pode dar-nos a impressão de uma grande desenvoltura no manuseio de documentos e de uma excessiva liberdade em relação àquilo que hoje chamamos de “verdade histórica”, ou seja, em relação à fidelidade à exatidão dos fatos. É interessante comparar, por exemplo, o relato da entrada solene de Jesus em Jerusalém feita por Marcos (Mc 11,1-8) com o de Mateus (Mt 21,1-8), que usa como fonte o próprio texto de Marcos. Para harmonizar a narrativa com a citação de Zacarias — «Eis que o teu rei vem a ti […] montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta» (Zc 9,9) — Mateus não hesitou em duplicar a montaria e apresentar Jesus montado ao mesmo tempo na jumenta e no jumentinho. É inveros­ símil, mas isso tem pouca importância! O fundamental é o leitor compreender que a entrada de Jesus em Jerusalém deve ser inter­pre­tada à luz do texto de Zacarias. Tal liberdade só pode ser explicada se o evan­ge­lista não estava interessado na reportagem do fato, mas no seu significado. E tudo serve para ressaltar esse significado. 18